Capitulo Único

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Estar sobre o mar não era uma novidade para mim. Desde pequeno passei férias em cruzeiros, além de ter sido por um barco a vinda (e ao final, a fuga) para a ilha que mudou a minha vida. Mas dividir um pequeno barco de madeira apenas com Milo, o garoto mais bondoso e gentil que já conheci, era diferente. Desta vez havia uma inquietação interna e desconhecida, que se aflorava enquanto acompanhava as mãos de meu amigo procurando os equipamentos de pesca. Era a ansiedade por tentar algo novo, apenas um medo irracional de ser julgado. Nada além disso, nada mais profundo ou complicado que isso.

— Certo, primeiro vou te explicar como funcionam os equipamentos — ele disse ao colocar uma caixa entre nós — O que você já sabe?

— Que vocês usam uma vara e também minhocas de isca. Acho que vi isso num filme.

— Acertou metade, Olivier. Realmente usamos varas, mas como estamos em água salgada as minhocas não seriam boas iscas, exceto se forem minhocas de praia. Porém elas são difíceis de lidar, costumam se desfazer fácil então teríamos que adicionar um pouco de fubá... Por isso vamos usar sarnambis.

— Sarnambis? — pergunto confuso.

— É esse molusco — Me mostra uma pequena caixa, contendo várias conchas bivalves — Temos que abrir, espetar no anzol e amarrar com no mínimo três voltas. Assim, olha.

O de cabelos cacheados foi demonstrando e eu tentei copiar. Não consegui de primeira, segunda ou quinta, entretanto ele não riu de mim, e sim me ajudou. Foi guiando meus movimentos e corrigindo o modo que eu segurava os equipamentos. Era difícil não se distrair com sua voz e desviar meu olhar para o sorriso genuíno que ele esboçava ao explicar as funções de um molinete ou o porquê estávamos usando um anzol modelo pata ao invés de olhal por se tratar de uma pesca leve, apesar de eu mal conseguir discernir seus formatos.

Em algum momento, terminamos a preparação e estávamos finalmente sentados lado a lado no barco, observando o horizonte e esperando a linha ser puxada. O olho, lembrando do dia em que nos conhecemos e ele prometeu me ensinar a pescar. Não fazia tanto tempo, mas tanta coisa havia mudado que parecia outra vida.

— Sabe... Eu não acreditava que realmente faríamos isso — admito.

— Como assim? — Nossos olhares se cruzam. Encaro o mar, temendo que caso eu mantesse o contato visual, não conseguiria continuar a falar.

— No começo eu achei que você iria se esquecer da promessa... Que tivesse gostado de passar um tempo comigo mas nada além disso. — Eu soube que o Milo era a coisa mais legal da ilha de Tipora, no entanto nada garantia que ele estivesse apenas sendo gentil e não pensasse o mesmo. Que ele fosse somente mais uma pessoa que o abandonaria e o deixaria sozinho — Daí quando eu percebi que você estava me convidando, querendo mesmo minha companhia, as coisas começaram a desandar, achei que seria impossível ambos sairmos vivos.

Segundos se passaram, as batidas do coração de meu coração marcando o compasso de minha ansiedade. Será que eu tinha dito algo errado? Será que meu pensamento inicial era realidade e, mesmo se lembrando, estava fazendo isso por um senso de obrigação? Minha mente se remexia em um turbilhão de dúvidas quando senti uma mão em meu antebraço direito. Me forcei a olhar, e vi uma feição preocupada em Milo.

— Oli, por que eu não iria querer a sua companhia? Eu amei passar aquele dia contigo, e foi muito importante a sua presença nos momentos bons e ruins que se seguiram. E eu sei que foram muito difíceis os últimos dias na ilha... Nossa, aquelas imagens traumatizantes constantemente invadem meus pensamentos. Mas estamos vivos, ambos sobrevivemos e é isso que importa — Não sei o momento em que a mão de Milo subiu até meu pulso, muito menos quando passei a segurar a vara apenas com a mão esquerda e retribuí o gesto. Os eventos aconteceram numa espécie de transe, e quando vi, estávamos de mãos dadas — Tudo isso me fez pensar que não temos muito tempo e temos que aproveitar o restante... E eu quero dividir momentos com você. Por que teria algo de estranho nisso?

— É só que... Eu não estou acostumado a se importarem comigo. Obrigado cara, você é demais. Depois eu posso te ensinar a jogar COD ou CS.

— O que é COD e CS?

— Jogos de videogame, mas se você não gostar dos de tiro eu conheço outros.

— Faz sentido. Vou querer jogar com você.

Ele sorri, e parte de mim quer apenas apreciar aquele momento de felicidade com meu mano. Sinto algo na vara e a contragosto solto a mão do Milo para segurá-la melhor.

— Algo fisgou. O que eu faço?

— Boa Oli! Segura bem firme e com a mão direita vai girando a manivela do molinete, do jeito que eu te falei.

Vou seguindo as instruções animadas do Milo, recebendo feliz a atenção. É bom não estar sozinho.

Entre Iscas e InsegurançasOnde histórias criam vida. Descubra agora