Capítulo 22

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Ponto D:

— Então nós vamo... — Analisei a frase — A gente vai ficar se olhando? — admito que não me importaria muito.

— Depende. Pretende me deixar passar?

"Ah! Como eu queria..." As coxas grossas dela eram tão sedutoras e plausíveis. Não! Rei! Foco! Ela é uma inimiga de Ivan! Uma Protetora! Recomponha-se. Ajeitei o tronco para não continuar mole diante dela . Fechei o rosto para que só pudesse destilar raiva e rivalidade.

— Por que você está com essa cara de quem quer cagar? — Ela perguntou.

— Eu! — Engoli saliva — Eu não quero cagar! Só estou mostrando que vou te ganhar de qualquer maneira! — Perdi a compostura. Se minha pele fosse branca, estaria um tomate.

— Você é Rei, não é? — Ela apontou o dedo durante a pergunta, e levou aos lábios logo em sequência. — "Ivan sempre anda com um rapaz com uma bandana de caveira na boca, e outro que se veste de preto e reclama muito" Foram as descrições que me passaram. Você parece bater com a segunda.

Merda... Como assim, eu nem reclamo tanto. Eles devem ter descoberto meu paradeiro por causa da aparição no Porta do Inferno. Maldito Bruno que vontade de esganá-lo. — E com essas... — "Não fala coxas. Não fala coxas. Não fala coxas." — Botas... de ferro. É a Isadora. A dama do desastre.

Ela sorriu para mim. Devia ter gostado de tê-la chamado assim. A realidade é que só ela aprazeirou-se nisto. Me subiu um arrepio. Não dava para encará-la. Mesmo pequena, Isadora era capaz de dominar meu corpo com os olhos.

— Isso significa que ele está aqui. — Isadora encarou-me obstinada.

— Slaafs. — A palavra custou para sair da boca. Fiquei cabisbaixo ao pensar nas criaturas que nos rodeavam. — O cheiro visceral destas criaturas chegou a nós. — Engoli a saliva. A encarei — Você sabe qual é o principal ingrediente para fazer um Slaaf?

— Jovens negros. — Respondeu.

— Sim. — Sorri, mas nem entendi o porquê. Talvez nervosismo. — Se para tirar a dor de nossos irmãos é necessário virar criminoso. Assim será.

Alguns Slaafs começaram a ficar próximos de nós. A sensação era incômoda. Parecia estar no meio de um abatedouro. Não me via mais que uma formiga. Ou uma abelha num enxame de vespas. Os vislumbrei de canto de olho. Babavam. Limpavam bocas e pinças. Pingavam sangue dos mortos.

De repente, um brilho cintilante ultrapassou a direita. Ele não chegou a acertar muitos Slaafs, mas desintegrou os que tocou. Foi o estopim. As criaturas ficaram putas! Achavam que era culpa nossa. Uma delas colocou-se de quatro, e abriu a dorsal ao meio. A fenda expôs diversos espinhos feitos de ossos. O monstro começou a soltá-los como mísseis em nossa direção.

Algo me obrigou a olhar para frente outra vez. O instinto. Intuição. A bota da Isadora voava pronta para amassar minha cara. "Não está com medo dos Slaafs? É esse o nível de um mago protetor." Ela acertou. Ou teve a sensação de ter-me acertado. O corpo que ali jazia esmaeceu num lodo preto que espirrou-se pela Avenida.

Apareci abaixo de um dos mísseis de ossos. Ela me achou nos olhos. Sorrimos um para o outro. Todos os espinhos perfuraram a Avenida Infante Dom Henrique. O concreto começou a voar. Alguns fragmentos caíram na praia. Fiquei em cima da ponta de um dos espinhos. Usei-o como base para os pés. Isadora não havia se ferido. Pouco imaginei que algo tão banal a machucaria.

Ela subiu num dos espinhos. — Então os boatos são verdadeiros! — Gritou. — O mestre das técnicas das sombras. Senhor Fajardo. Teve mesmo filhos fora do casamento.

— Não sabia? — Mais espinhos voavam em nossa direção. — Para ser da nossa equipe tem que ter um pai de merda! — dei a língua.

Sumi dentre as sombras outra vez. Não haveria como enfrentá-la com tanto aporrinhamento. Tinha de me livrar de alguns Slaafs. Apareci na sombra formada pela barriga do atirador de ossos. "Rasgo de alma". Enfiei os braços dentro da sombra da criatura, e rasguei em dois pedaços.

O Slaaf não demorou muito tempo para sofrer o mesmo efeito. Como se tivesse sido desmembrada por um Deus. "Eu. Eu sou o Deus." respondi em silêncio. Um Slaaf, com pinças maiores que os braços esguios, ao me ver, virou-se para me atacar. As mandíbulas afundaram no concreto tão fundo que quebraram no meio do processo. A cabeça — de vespa — do monstro bateu contra a própria arma e atravessou. Isadora havia pisado nele como um inseto que se assemelhava.

— Esses são Slaafs de nível S. — ajeitou o cabelo. "Ela era linda até lutando e suja de sangue" — Capazes de usar magias, como nós. Vamos precisar nos ajudar se quisermos decidir "como" vamos querer morrer.

A encarei incrédulo. Parte de mim queria dizer "Sim! Uma dupla perfeita. A minha cara e esse par de coxas! Foca nas coxas do Ivan!" — Merda. Para tomar consciência falei o que não queria. Onde ia enfiar minha cara?

— Por que eu me uniria a você? Somos adversários.

— Você é um inimigo, mas não engana ninguém. Provavelmente nem ao Ivan. — Isadora sorriu, feliz. — Você é bonzinho demais. — Ela olhou para os Slaafs. Os cabelos voavam com a brisa fresca. — Conhecendo Ivan, ele deve detestar ver você lutar. 

Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]Onde histórias criam vida. Descubra agora