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Em sua boca comum

Vive um colibri

A cada batida de suas asas

Muito rápido para qualquer olho ver

Culturas florescem e perecem

Continentes inteiros desaparecem

Eu percorro a sujeira de poderosas metáforas

Meta, meta, meta por metro

Com gestos muito largos

Para os amantes provisórios

Os amantes intermediários

São amantes no interim

Einstürzende Neubauten - Interim Lovers


?

Ano indeterminado

Local indeterminado


— Ele virá. Eu sei.

A mulher sussurrou para o reflexo de seu rosto na bandeja que segurava.

— Falando sozinha de novo, Francesa?

Ela ergueu a cabeça na direção do chef de cozinha que naquele momento a xingava enquanto entregava o prato.

— Sinto muito, chef.

— Mais uma dessa e eu te devolvo para trincheira que te achei. Ande depressa.

A Francesa assentiu e subiu para a suíte indicada no pedaço de papel que acompanhava o pedido na bandeja. 35.

Após entregar o jantar, tomou uma rota pelo saguão pela terceira vez naquele dia, com olhos atentos nos novos hóspedes. Fazia parte da sua vigília procurar por um homem usando um broche de âncora. Ela já esperava por ele há quase 3 meses.

Frustrada mais uma vez, percorreu com o dedo o caderno de registros no final de toda noite, quando o turno de recepcionistas era trocado. Não havia nenhum nome inglês, ou que tinha se declarado como tal.

Ainda demorou mais duas semanas até um dia a Francesa o encontrou. Finalmente ela tinha sido promovida para maître do restaurante do terraço - cujo único papel era sorrir, falar algo como "bienvenutti, mesa per tré?" e apontar para o garçom. Dali, poderia ver todos os hóspedes que almoçavam e jantavam no Hotel.

— Com licença, onde acho a lanchonete?

Uma voz grossa poderia ser reconhecida pela Francesa, mas o sotaque não. Vinha do saguão principal.

Io ristorante, signiore?

Lanchonetto? Hamburguer! Vocês italianos que não estão em guerra conseguem fazer um hamburguer para mim?

— Com licença — A Francesa se aproximou, com o coração saindo pela boca, falando em inglês. — Eu o guio daqui.

— Meu nome é Thompson! Theodor Thompson.

O homem alto, num terno branco padrão para os ricassos nas férias de verão, abriu um largo sorriso. Era loiro e tinha os olhos claros como um lago.

Caro signore Thompson, me siga por favor.

A Francesa o reconheceria em qualquer lugar e a cada passo ficava mais difícil respirar sem se entregar. Ela guiou o homem até a mesa livre, onde ele se sentou sem despregar os olhos do rosto dela. Aquela era a mesa mais afastada, próxima a balaustrada que cercava o Lago.

— Tive que atravessar quase três lagos até te encontrar nesse. Um deles, a nado.Já tive todos os nomes que pode pensar. — O sotaque do homem naquele momento, era britânico.

— Você demorou, Tristan.

— Estou aqui agora.

— Não... — Ela o fuzilou com os olhos, segurando a bandeja contra o peito. — Não mostre que me conhece e não procure por mim.

— Espere, por favor. — Aquela voz rouca fez o estômago da Francesa se contorcer. Era difícil controlar a emoção que subia por sua garganta. —Eu atravessei o inferno para chegar até aqui. Eu preciso de você. — ele ergueu o dedo no ar. -- Quero todos os minutos de hoje ao seu lado.

— Não aqui. Me econtre meia noite na estátua. — Ela depositou o menu na frente dele e logo em seguida saiu para dar caminho ao graçom que surgiu, sorridente.

A Francesa voltou para o saguão e tentou desfarçar que seu coração errava as batidas.

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Já era tarde da noite quando Tristan sentou-se na amurada que dava para o lago. Fumava um cigarro atrás do outro desde que encontrou a mulher que veio procurando por meses.

Naquela área, por volta a meia noite, havia pouco movimento. Os restaurantes já estavam fechados e os últimos batiam o pó das mesas desocupadas e as carregavam para dentro. Tristan estava por ali por mais de uma hora, até que viu todas as luzes apagarem.

Àquela altura, o Lago Como refletia a luz de uma lua crescente iluminada e nada tímida.

— O chão que piso não é alto para voar. Mas só os que voam podem o céu tocar.

Tristan ouviu a voz e se virou. Ela estava lá.

— Quero viver mil vidas para com você estar. Se nesta eu não a prender com o ar. — Ele sorriu e jogou o cigarro no chão.

— Olá, meu amor.

Ela se aproximou, erguendo a mão, ele e a puxou lentamente para um abraço. Seus olhos entraram em um único fio de atenção, estavam profundamente unidos.

— Olá, minha Musa. — ele beijou suavamente a têmpora dela — Olá, minha Klio.

Se beijaram longamente e apesar de todo sentimento imediatista que sentiam, de toda saudade e de toda angústia da separação, seus toques eram tranquilos. As mãos dele percorriam as costas dela, enquanto ela o acariciava sem pressa. Eram dois amantes se encontrando depois de muito tempo. 

Nas Marés do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora