Capítulo 27

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     Há poucas coisas capazes de surpreender uma rainha centenária portadora de magia. 

     Experimento de tudo que meu coração originalmente humano deseja e não estabeleço limites para as minhas vontades. Encontro satisfação em novas coisas a cada dia de minha eternidade de solidão. Conheço diversos tipos de pessoas com diversos tipos de sonhos e ambições. E aprendo tantas lições que começo a registrá-las em livros escritos a meu próprio punho. Faço viagens impossíveis a humanos e conheço os mais remotos cantos do mundo, tomando o devido cuidado de evitar outros seres mágicos como eu. 

     E, quando eu penso já ter visto de tudo que a humanidade pode me oferecer - do bom e do mau - um jovem príncipe rejeitado aparece à minha porta com uma ganância tão poderosa que eu só me lembro de tê-la visto uma única vez nos olhos de outra pessoa: os meus.

     Mal posso esconder minha surpresa quando ele fica de joelhos diante de mim e diz:

     - Eu sei quem você é e desejo barganhar.

     Muitos homens já desafiaram minha autoridade e me ofenderam de diversas maneiras e eu precisei tomar medidas drásticas e nada agradáveis para puni-los. Lembro bem dos olhares nos rostos de meus conselheiros quando eu descobri que agiam por minhas costas para tomar as decisões no meu lugar. Também me deparei com homens perversos que tentaram me usar como alvo de sua maldade, mas que foram parados a tempo por minha magia.

     O príncipe diante de mim não é um desses homens.

     Cada centímetro de seu rosto bonito estampa o mais insano desespero e eu me atrevo a imaginar o que ele vai me pedir antes mesmo que diga. Já vi o tipo de olhar que ele ostenta antes, no campo de batalha. Ele é um rapaz cheio de ódio e rancor e quer vingança. Será que tem alguma noção do quanto está machucado?

     Cruzo minhas pernas, confortavelmente acomodada em meu trono. Quando um guarda faz menção de retirar o jovem príncipe à força, eu o impeço com um gesto. Então sorrio para meu inusitado convidado.

     - Essas não são palavras que estou acostumada a ouvir, jovem príncipe.

     Ele fica pálido e suas mãos tremem, mas sua postura permanece impecável.

     - Quem é você? - pergunto. - E o que o faz pensar que pode barganhar com a rainha de Omem?

     - M-meu nome é Klaus, Vossa Majestade. Venho de longe, de Coronte, e preciso de sua ajuda. Não sei se foi certo pedir por uma barganha... - ele passa os dedos pelos cabelos avermelhados - mas estou disposto a barganhar, se a senhora assim desejar.

     Oh. Faz décadas que não encontro ninguém de Coronte. 

     Embora as palavras do príncipe estejam cheias de submissão, seus olhos são indomáveis, intensos, vivos. Descubro que seu espírito me agrada. Identifico-o em mim.

     - Não prometerei ajudá-lo, Klaus de Coronte, mas você ganhou minha atenção - digo. - Fale.

     Klaus me conta sua história.

     Ele nasceu em Coronte. Filho mais novo do rei Dorian, nunca compreendeu por que era tratado diferente dos dois irmãos até descobrir que era bastardo. Seu pai tinha uma amante e ela era vidente. O parto do primeiro e único filho a matou e Klaus foi acolhido no palácio do pai para viver com a rainha e os irmãos. Mas ele nunca foi tratado como um filho do rei.

     - Meus irmãos mal dirigiam palavras a mim durante anos, a menos que fosse necessário - conta ele, o olhar vazio e cheio de dor. - Meu pai não suportava olhar para mim porque sempre lembrava de minha mãe e a rainha... - suspira. - A rainha me odiava. Ela me castigava sempre que tinha a oportunidade. Eu suportei o quanto pude, mas acabei sendo exilado e mandado para cá, para o norte.

Dever e Fidelidade #2Onde histórias criam vida. Descubra agora