O cavalo carregava um risco branco do pescoço até o peito frontal, fino, correndo de forma levemente desigual e assimétrica como um córrego tímido, claramente em direção ao coração do animal, como se um artista tivesse despojado tinta branca no negro uniforme de seu pelo ao tropeçar desengonçado em uma lata mal tampada próxima.
Era assim que ela o percebia: como uma tela manchada que perdeu seu valor e recebeu o inominável direito da autenticidade, algo único e irreverente, incapaz de ser copiado, recriado ou imitado. Uma peça única.
Desprezível em preço, icônico aos olhos dela.
A mulher que o montava muito ereta, de ombros relaxados, véu negro sobre o rosto, cabeça e torço;
Enquanto os cascos do pesado animal emitiam um som fosco, seco, curto e admiravelmente baixo, como um sussurro entre ostras na terra contra a galhada que jazia morta e ressecada na terra preta concomitantemente carregada de vida, algo tilintava de fundo.
Um som suave, tímido, que apenas animais de audição agudaçada poderiam perceber — estes, esgueiravam-se na direção oposta à dupla. As corujas silenciavam. Os corvos revoavam.
Os aldeões rezavam.
Em sua mão esquerda a amazona vestia uma luva bem justa à pele, fina, cor de chumbo, que carregava um bordado delicado em formato de flores ao pulso, acompanhando uma correntinha prateada que dançava ao ritmo de Capeto, cruzada em formato de meia lua nas costas da mão de traços firmes e delineados.
Todavia, não estavam sós. A fita de doze centímetros de grossura carregada do tom cor de groselha podia ser levemente confundida com sangue por pessoas mais distraídas. Mesmo assim, era perceptível a olhos treinados as voltas dadas em sua baixa-cintura, sem nó ou laço aparente, mesmo por cima do longo manto de cauda pregada que parecia vestir a si e ao cavalo como um manto que se fundia à névoa, ao torná-los um único breu, quase uma criatura mística criada pela mente desesperada de um rondante desavisado qualquer.
Os sinos, presos por dentro e intencionalmente expostos, badalavam de leve, igualmente em tom baixo, como que se tivessem gastado muito tempo desde a última vez que podiam-se dizer usáveis, com seu metal manchado do tempo à direita da bacia da dama de negro, onde alguns de seus entalhes já haviam se perdido. Eram sinos roucos.
Porém marcantes.
Capeto, em contrapartida, foi mantido de armadura de couro laminar, revestida por uma tela caprichosa por baixo de seu manto de couraça resistente.
Na crina, algumas pontas eram visíveis; suas orelhas eram cobertas em dois terços de seu comprimento. Na cabeça, o capacete da vestimenta de couro despontava num chifre que carregava seu diferencial: uma lâmina afiada de aço nobre.
Apesar das passadas sutis nada proporcionais ao porte, Capeto também inspirava temor em conjunto de sua condutora.
À direita da sela, pendurado a um bambu preso à lateral dos arreios, com encaixes próprios ajustáveis de fivelas, jazia resiliente uma lamparina, em seu casulo firme de metal, indo e vindo suavemente ao passo do animal.
O fôlego quente despejado para fora da caixa torácica de Capeto formava imagens distorcidas no ar gélido da noite, como pequenos fantasmas cinzas dançantes que desapareciam ao longo do caminho que percorriam em harmoniosa sintonia silenciosa até seu destino — o vilarejo de Gohail.