V.

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Lily pata mansa, a ladra.

Duzentos anos atrás...

Orbes escarlates como sangue fresco conduziam observações grotescas e medíocres ao mesmo tempo que exímias e cuidadosas a uma pequena tela exposta no meio do salão principal da enorme e silenciosa mansão.

O conde não conseguia enxergar a razão, motivo menos ainda circunstância pela qual aquela pintura — ao seu ver simples em demasia — estivesse no plano central da saleta, se quer se possuía características especiais para tal atitude do famigerado decorador.

Arrependeu-se amargamente de dar ouvidos aos conselhos vagos do velho feiticeiro que morava nos confins do pântano, este demonstrou possuir um péssimo gosto para arte.

Os toques de aquarela suaves não  permitiam a fluidez da imaginação assim como os pequenos borrões em encontros específicos de cores vibrantes que assemelhavam-se com o divino tal qual chegavam a tocar o profano. Não haviam emoções secundárias ou uma vinculação de pensamento lógico que fosse capaz de o entreter o suficiente para que a apreciasse com mais cautela.


Qualquer um com tintas e pincel em mãos — mesmo uma pequena criança ou animal dotado de básico controle de coordenação — poderia tê-la feito. O artista não possuía originalidade, nada que atrelasse seu perfil àquela arte em sua totalidade. Deste modo, as interpretações tornavam-se limitadas, sombreando a mesma perspectiva inata.

O moreno soprou uma lufada de fumaça densa que outrora estivera presa em seus lábios finos após tragar o cigarro mais uma vez, observando-a serpentear no ar até sumir completamente. As espirais e ondas esbranquiçadas desaparecendo aos poucos e deixando para trás apenas um rastro vago do odor suave de menta poderiam ser facilmente consideradas melhores e mais intrigantes que aquele quadro.

Crispou os lábios em linha rígida, tendo apenas seu próprio reflexo borrado no espelho preso ao teto como companhia além das sombras geradas pelos lampejos dos trovões somado a iluminação prateada dos raios lunares em contraste com os galhos secos do carvalho, estes que perpassavam as janelas de vidro fosco e atingiam transversalmente boa parcela do cômodo.

Em um súbito ato de coragem oseu corpo moveu-se sem autorização em direção a ela. Suas mãos roçavam para arrancá-la da parede, destruí-la em pedaços.

Toc, toc, toc.

O ruído seco ecoou pelo casarão fazendo com que sua inquietação se disipasse tal qual a fumaça do cigarro. O desastrado mordomo desceu as escadas indo ao encontro da porta, ajustando seu terno mal passado e tagalerando algo sobre não ser cortês um conde receber visitas inusitadas naquele horário.

Não moveu um músculo visto que era comum alguns caçadores que se perdiam na floresta aparecerem vez ou outra em busca de informações sobre como voltar ao vilarejo.

Mas havia algo diferente dessa vez.

Pôde perceber ao que seu interior aqueceu ao sentir algumas notas de perfume invidirem suas narinas, tal qual uma corrente de ar puro preenchendo seus pulmões com avidez.

Amêndoas doces e um sutil toque de cereja.

Uma estranha sensação lhe subiu a espinha, jurando que seu coração a muito tempo adormecido voltara a palpitar por alguns instantes extensos demais para que se passassem desapercebidos.

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