Nunca se sabe quando pode haver um funeral
- a propósito de Amor em Tempos de Cólera -
em ambiente de Nova Orleans
Personagens:
Raul - o omnisciente
Lourenço - o infiel
Simão - o enamorado
Teresa - namorada de Lourenço
Sandra - a outra
Marta - a abandonada
Rapariga de vermelho
Duração: 30 minutos (aprox.)
Inicia-se com uma marcha fúnebre, música de clarinete, homens e mulheres atrás do féretro que atravessa o palco. Estes permanecem em cena, em fila, durante algum tempo, embora dela saiam e entrem personagens. De quando em quando, durante a ação, o som do clarinete ou do trompete ouvir-se-á, longínquo mas nítido.
Em cena, três ambientes diferentes: um baile/dancetaria, um café/leitaria, uma mesa de refeição num lar. E a rua.
A força das personagens advém dos monólogos que tecem, respetivamente. E da música (clarinete) que marca o fim de cada intervenção.
Cena única
Surge um homem saído da marcha.
Raul
Não há prudência suficiente que o impeça. Transtornamo-nos. Transformamo-nos. Eis lagarta, depois casulo, eis borboleta. Pois, pode acontecer que algo pereça, pode acontecer um adeus, um passo da pertença à não pertença. Pode acontecer com uma amizade, com uma flor da qual cuidámos, com uma paisagem na qual nos integrámos, com um lar que habitámos. Pode ocorrer de forma lenta, pode ocorrer de forma súbita, por fatalidade extrínseca, por labor comprometido, inteligível, ou de forma estúpida. Pode acontecer comigo, com qualquer um.
Raul dirige-se ao baile. Música. Aproxima-se de uma rapariga vistosa, vestida de vermelho
- A menina dança? Dançam. Acabando a dança, separam-se. Raul fica encostado, sem contrariedade, observando a rapariga a dançar com outro rapaz. Olha, também ele, para outras raparigas.
Sai outro homem da marcha:
Lourenço
(dramático) Um funeral é um funeral. Depois deste, outros virão, inevitáveis, fora da previsão, mesmo quando previstos eram, mesmo quando previstos não. Um funeral - ora, um funeral é um momento, um sinal do tempo - um funeral gera outro tempo, outro esquema, outra coisa depois. Isto vai, isto já foi. E é lancetado o hábito, o amor, o leito, e uma vez feito... ai, uma vez acontecido, resta-nos a cicatriz no peito vivo, e a certeza de que ela aí habita, às vezes mais escondida, às vezes mais aberta. E não, não basta estar alerta, não basta ter adivinhado, sabido ou precipitado.
Lourenço sai de cena
No baile. A rapariga de vermelho dança ainda, já com outro. Acaba de recusar Simão. Simão observa, contrariado. Arruma umas quantas cadeiras, resignado, como se quisesse arrumar o assunto.
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Nunca Se Sabe Quando Pode Haver Um Funeral
Non-FictionPeça de teatro. A propósito de Amor em Tempos de Cólera, de Gabriel Garcia Marquez. Sete personagens cuja força advém da consistência da sua solidão e do som do clarinete. Peça para 30 minutos.