O sonho ecológico de um povo esquecido

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No decorrer das eras, a humanidade teve sua chance de crescer em número, evoluir e permanecer em equilíbrio com a natureza.

Mas nós só crescemos em número. Só em número. Sequer questionávamos nossos líderes, nossas empresas, os poderosos que erravam, destruíam nosso mundo: apenas crescíamos em número.

Poderíamos ter vivido em equilíbrio e paz, mas nossos governantes e nossa ganância eram mais poderosos. Poderíamos ter visto o equilíbrio perfeito entre as espécies, mas nos achávamos superiores. Poderíamos ter curado a fome do mundo, mas não quisemos salvá-lo, pois nos sentíamos acima dele: de barrigas cheias, ríamos dos miseráveis.

Meu povo viu muitas eras, mas nunca havia visto tamanho desdém. Nós vimos animais grandes, polares, de pelagem clara, imensos e alegres em toda sua glória. Nós vimos rios e mares, lotados de peixes, correndo por florestas e matas cheias de cores. Nós vimos homens, com polegares opositores e o dito "intelecto superior", darem ouvidos a outros homens que defendiam a inexistência do aquecimento global e que, sim, eles conseguiriam reverter o aumento de temperatura de um grau e meio ao ano para aquilo que era verdadeiramente saudável à vida no planeta.

Meu povo nadou em mares fartos, de água fresca e vida borbulhante por toda sua extensão. Banhou-se em sóis de luzes graciosas que afagavam a pele e aqueciam a alma sobre a areia que não fere o corpo. Brincou em parques de diversão coletiva em que não havia nenhuma preocupação com o desperdício de água para a atmosfera, e viu cães que rolavam na lama quando caía umidade do céu, e altas palmeiras e coqueiros verdes de lacrimejar os olhos, e salgueiros e tucaneiras, cobrindo o horizonte azul.

Meu povo viveu em uma terra coberta por folhas e umidade circundante. Nossa terra, a Amazônia, o mais seco de todos os desertos do mundo, foi, um dia, coberto por uma umidade sufocante que hidratava o planeta.

Meu povo, um dia, não precisou utilizar os trajes especiais que reciclam a umidade de nossos corpos para não morrermos desidratados. Meu povo, um dia, andou sem roupa, em suas terras primordiais, antes do homem guloso chegar.

Meu povo se lembra de quando as tempestades começaram. Aumento de um e meio por cento ao ano foi ultrapassado: agora aumentavam dois graus por ano, e então vieram as tempestades. Ventos fortes, potentes, que cortavam a pele e arrancavam as poucas árvores que ainda restavam em nossa terra. Ventos que, quando as matas viraram desertos, lançavam grãos de areia cortantes como vidro contra nossas faces.

O homem guloso, em sua casa de mármore - mármore de nossas minas, nosso solo -, foi ele quem fez isso!

Hoje ele vive com nossa água, nosso alimento, em caixas superprotegidas contra as intempéries do mundo, enquanto nós, que dependemos tão derradeiramente da natureza, sua umidade, sua fauna e sua flora, nós, que somos filhos da terra, que somos filhos da água e somos filhos do ar, nós, que comemos aquilo que as árvores produzem, que cantávamos à luz do luar e saudávamos à estrela da manhã e ao astro solar, nós sofremos no deserto. Nós sofremos no calor diurno e no frio noturno. Nós sofremos o que os gordos-gulosos-homens evitam com tanto medo.

Mas eles não nos ajudaram (e eles não nos ajudam, nem nos ajudarão!). Eles só esperavam que ignoraríamos o que acontecia enquanto eles cresciam em tamanho, gordura e riqueza.

Naquela época, meu povo sabia que algo estava errado, mas só perceberam quando foram forçados a comer uma coisa que não continha nada daquilo que estava sendo vendido: não era carne, era apenas molho com sabor de carne sobre uma massa comestível disforme, enganando quem não quisesse abrir os olhos e, enfim, gritar com pânico e desespero na alma: "não há nenhum sonho ecológico sem governança transparente!"

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⏰ Última atualização: Aug 27, 2022 ⏰

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