Dante sempre esteve certo desde o princípio, ele como sendo considerado, uma vez que, sempre como um indivíduo impenetrável, manjava de certa facilidade a julgar a índole alheia, e eu, considerado tolo, em sua concepção, me permiti apaixonar por uma promessa de amor fadada ao revés, ou, em uso de suas palavras na época:
— Daniel, você está cometendo um erro, nós dois sabemos disso, conheces a índole de Erick e mesmo assim ainda queres casar-se com ele? logo tu, um romântico incurável, está enxergando somente o lado bonito do que juntos vocês construíram, deixando de lado algo importante, você sabe, o que ocorreu no verão de 1998. Como seu amigo, te apoiarei no que for, mesmo que não acredite que seja para seu bem.
Finalmente sozinho em seu apartamento, Daniel vislumbrou paulatinamente o espaço que por longos três anos era considerado por si, um lar, mais que isso, se considerar que esse, foi o único lugar que ele fez morada. Cresceu sem a chance de possuir uma família que o acolhesse e compartilhasse amor, sentimento esse, que sempre desfrutou com muita intensidade.
O primeiro vislumbre de tal sentimento, como se permite crer, chegou para sí em uma certa manhã ensolarada. A primavera começava a dar indícios de seus dias finais, permitindo que o verão, com todo seu esplendor viesse a fazer morada no orfanato. Daniel se encontrava sentado abaixo de uma macieira, usando seus surrados all star azuis, juntamente do uniforme cinza da instituição, esse, de aparência sempre impecável. Folheava um livro de gravuras, que continha toda a fauna e flora do país, por se interessar por tal, o gentil professor substituído do s.r. Gertrudes naquele mês, enquanto esse se recuperava de uma cirurgia da bacia. Presenteou o garoto tímido com um livro de sua coleção, recebido com muita gratidão, ao passo que esse, lhe abraçou forte enquanto tentava conter lágrimas de emoção, ao repetir inúmeras vezes seguidamente o quanto estava grato por tal presente.
Ao direcionar seus gumes a entrada principal, seu olhar fixou-se no garoto que se encontrava parado, com um traje completamente preto e uma mochila de costas, essa, com estampas de golfinhos, ao lado de uma mulher na casa dos quarenta, de aparência formal, que conversava com a diretora da instituição de maneira concisa. Pelo que pareceu uma eternidade, seus olhares se cruzaram e o garoto sentiu que de alguma maneira, aquele rapaz seria importante para si. Daniel já sabia, desde aquela época, aquele que, sucederia a considerar o seu primeiro e inesquecível amor.
Dante Bittencourt era um garoto de recém completados 13 anos, na data que sucedia seu aniversário, tomou conhecimento através da advogada do seu pai, e também amante, fato esse, que o garoto retraído, não tinha conhecimento na época; que seu genitor havia falecido, devido ao uso excessivo de nicotina, desde muito jovem, o laudo médico apontou para uma bronquite grave, não tratada ao que tudo indicava, levando ao desenvolvimento no quadro cardíaco e por fim na sua eminente morte. Na época, o garoto não parecia muito chocado ou até mesmo triste, nunca foi próximo aos seu progenitores de toda forma, ambos levavam suas tristes vidas em meio a discussões e longos períodos afastados, ou como Dante gostava de chamar, dias de silêncio, no que seria sua progenitora arrumando suas malas e saindo da casa em que ambos residiam, voltando após períodos que, variavam de acordo com a gravidade da briga, era o que o garoto costumava crer.
Margarete Garcia, como agora era chamada, ao tomar conhecimento da morte do seu marido, como se era esperado não tomou a melhores das decisões afinal. Abriu mão da guarda do seu único filho, alegando não ter condições psicológicas para cuidar de sua tutela.
Não houve despedidas, muito menos foi questionado a Dante como ele se sentia sobre tudo aquilo que lhe passava naquela época. Tudo foi acertado legalmente, de maneira que o garoto um dia após o velório de seu progenitor, estava a caminho do orfanato que seria o seu novo lar até que concluísse a maior idade.
Daniel levantou de súbito do sofá de couro negro que havia deitado desde a madrugada ao voltar de mais um bar decadente qualquer. O barulho da campanha o despertou de imediato, visto que seu sono era facilmente perturbável desde muito novo. Levantou-se de maneira preguiçosa do sofá, lamentando mais uma manhã, pela quantidade exacerbada de bebida alcoólica que consumiu há horas atrás, sua cabeça parecia prestes a explodir, tamanha dor sentida naquele instante. Há passadas lentas até a entrada de seu apartamento, Daniel vislumbrou sua aparência no espelho de mogno próximo a sala de jantar. Suas olheiras estavam bastante visíveis, seus olhos azuis cobaltos, transmitiam apatia a qualquer olhar mais atento, seu cabelo preto carvão, antes sempre impecável, se encontrava untuoso e apontando para todas as direções. Isso claro, sem contar o corte presente no canto direito dos seus lábios tão chamativos pelo volume e delineação tão perfeita, considerado por muitos.
Ao escutar a voz em tom barítono de seu grande amigo, fez-se despertar daquela auto depreciação. Apressando seu passo o melhor que pode até a porta de seu apartamento, logo em seguida abrindo-a.
— Você pretende continuar levando seus dias ao mesmo declínio, um após o outro? — Foi o que Dante falou após dá-lo mais um olhar clínico da cabeça ao pés. Daniel sempre invejou o modo seguro que seu amigo sempre pareceu ao se portar.
— Bom dia Sunshine — O moreno abriu seu melhor sorriso ao diferir tal fala ao amigo, observando a expressão sempre tão sisuda amolecer ao poucos, ao passo que o loiro mordia o lábio inferior com certa força para rasgar a pele sensível. — Você gostaria de entrar? — Não foi preciso perguntar novamente, ao passo que Dante adentrou seu apartamento, não sem antes puxar o moreno tão querido por si para um abraço reconfortante, beijando seu testa logo em seguida. Ao que, Daniel aprovou de maneira muito consciente, ronronando em apreciação.
Se movendo em direção a cozinha, O loiro começou a organizar o que havia comprado na cafeteira preferida do seu amigo, há algumas quadras de seu próprio apartamento. Enquanto esse, se ocupava em realizar sua higiene matinal no banheiro da suíte principal. Dante se preparava para a conversa difícil que teria que ter com seu amigo. Ao chegar ao prédio que Daniel residia, o porteiro lhe entregou a correspondência alheio, sendo o primeiro envelope em nome de Erick Bertolini e Álvaro Miller, o que rapidamente o fez supor o conteúdo do tal.
Massageando um ponto entre as sobrancelhas, Dante somente saiu de seu torpor, ao sentir braços lhe envolverem a cintura, misturado a um aroma tão conhecido por si. O que lhe trouxe muito rapidamente um singelo sorriso fechado entre os lábios, ao contornar os braços que lhe abrigavam.
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Cobalto
RomanceDante e Daniel estavam destinados a serem um só. A colisão das gumes azul cobalto e do castanho escuro em uma manhã ensolarada no orfanato que foi o lar durante bons anos de um, e o único do outro, foi o pontapé inicial para o que veria a se tornar...