Vernon confronta a rotina.

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"São as perguntas que não podemos responder que mais nos ensinam. Elas nos ensinam a pensar. Se você der uma resposta ao homem, tudo o que ele ganha é um fato qualquer. Mas lhe dê uma pergunta e ele procurará suas próprias respostas."

[...]

Teron, Virgínia, Estados Unidos. Uma cidade pequena e com muitos jovens, com uma população atual de 30 mil pessoas. É também a cidade mais antiga da atualidade, tendo registros de civilização datados em 10 mil anos atrás. Em pouquíssimos livros e links, também era mencionada como casa de muitos praticantes de feitiçaria e rituais, que foram pioneiros na ocupação e crescimento da cidade.

Nos primórdios daquela civilização, a cidade era populosa, chegando a ter mais de seis dígitos em números de habitantes, mas, com o passar do tempo, as pessoas foram deixando a cidade sem motivo aparente como pássaros migrando para o norte. A população foi caindo e caindo cada vez mais, como se as pessoas de Teron estivessem fugindo de alguma coisa.

Quem sabe, talvez. No final das contas, frágeis foram os que restaram e os sábios se foram, deixando uma linha invisível de pólvora que estava prestes a encontrar seu fogo, ardente como nunca.

[...]

O ventilador de teto estava funcionando mesmo em pleno outono e fazia um barulho estranho, rangendo o suficiente para deixar três carteiras no meio da sala vagas. O arredor, a frente e o fundo estavam lotados, mas mesmo assim a única coisa que preenchia os pensamentos de Vernon era o vazio.

Sentado na última cadeira do canto, o rapaz estava com os fones de ouvido plugados e ouvia uma de suas músicas favoritas enquanto fingia fazer sua tarefa escolar assim como os outros alunos, mas na verdade estava desenhando desde que pisou na sala e sentou em seu lugar habitual.

A verdade é que não sabia o que estava desenhando. Abriu seu caderno em uma folha vazia e começou a esboçar algo aleatório, mas logo seus dedos moviam o objeto em círculos cada vez mais fortes e um emaranhado negro estava desenhado no papel, estranho porém cativante. Olhar para seu centro dava náuseas.

Um cutucão em um dos ombros magros do moreno o fez pular e olhar assustado para cima, encontrando seu melhor amigo. Com os cabelos loiros bagunçados, Boo Seungkwan falava um monte de palavras inaudíveis até o outro cansar de tentar leitura labial e pausar a música, ouvindo o término da bronca alheia.

— ...vive no mundo da lua! — O loiro ralhou, semicerrando os olhos ao perceber que seu melhor amigo nem sequer o ouviu. — Ei, você ouviu alguma coisa do que eu disse? A aula acabou, vamos!

— Ah, claro, desculpa. — O outro murmurou, balançando a cabeça antes de fechar o caderno com pressa e começar a guardar seu material.

Mesmo apressado, Seungkwan esperou seu amigo e então o acompanhou até o corredor quando os outros alunos dispersaram, lhes permitindo encontrar a outra pessoa que estavam esperando: Lee Chan, parte do trio de amigos. O rapaz era de outra sala, apesar de ter a mesma idade, mas mesmo assim os três andavam juntos o tempo todo.

— Eu tô mega animado pro festival de outono. — Chan começou, ficando de um lado do moreno. — Vai ser foda!

— Vai mesmo, eu mal posso esperar! — Seungkwan ficou do outro lado, encurralando Hansol. — Sério, eu quero muito ir.

Entretidos demais no assunto sobre o festival de outono de Teron, os dois nem perceberam quando Vernon ficou para trás, já fora da escola. Não era como se ele se importasse, afinal de contas, então apenas colocou os fones de ouvido de novo e voltou a caminhar, colocando as mãos nos bolsos.

Uma pequena abóbora caiu aos seus pés e se esborrachou, espalhando seu interior no chão e assustando o rapaz. Seus olhos se arregalaram e ele tirou os fones de ouvido, olhando em volta completamente alarmado.

Seus olhos se ergueram e encontraram a mesma Fiat Toro Freedom Flex de sempre parada na calçada do campus da faculdade próxima, e lá dentro estavam os mesmos componentes daquele grupo que tanto atormentava o rapaz. Jeonghan acenava do banco do carona, enquanto Seungcheol ria no banco do motorista. Vernon encarou Mingyu, Wonwoo e Joshua, que estavam na caçamba, mas os dois últimos desviaram o olhar do seu como sempre faziam.

O veículo arrancou enquanto os rapazes riam, deixando uma fumaça escura para trás. Vernon apenas suspirou, exausto, e recolocou os fones no ouvido, voltando a caminhar em direção a sua casa; já havia se acostumado com aquelas brincadeiras e perturbações, não era como se tivessem começado agora.

No meio do caminho, uma garoa gelada e fina pegou o rapaz de surpresa, que não havia se preparado para uma possível chuva mesmo que estivessem nos dias mais frios da estação do outono. De qualquer forma, ele gostava, bem pouco, da sensação da água caindo em si.

Em poucos minutos, sua jaqueta escolar, seus cabelos e sua mochila estavam completamente ensopados, já que a chuva só apertava conforme o tempo passava. No começo era terapêutico, mas agora só conseguia prever o resfriado que lhe acometeria por uns bons dias.

Conseguiu ver no fim da rua o poste de luz que ficava em frente à sua casa e deu um suspiro de alívio, aumentando seus passos para que chegasse mais rápido. O complexo de apartamentos era bem próximo da escola, mas geralmente o moreno gostava de tomar seu tempo enquanto voltava para casa, já que era quando podia pensar e tinha um pouco de paz.

Chegou no pequeno complexo e então subiu as escadas sem pressa, já que estava coberto, chegando no quarto andar dos cinco que o pequeno local tinha. Tirou o molho de chaves do bolso, mas ouviu certa movimentação no apartamento e ficou em silêncio, tirando os fones e encostando o ouvido na porta.

— ...você sabe o quão difícil é cuidar dele e não se esforça nem um pouco, eu já estou ficando doente também! — Engoliu em seco, sentindo uma pontada no peito ao identificar a voz de sua mãe. — Eu não aguento mais, e é melhor você fazer algo a respeito-

— Cheguei. — Vernon entrou de supetão e anunciou como se não tivesse espionado a conversa de sua mãe, que largou o telefone e forçou um sorriso.

— Oi, querido. — A voz da senhora Chwe era cansada. — Tem comida na geladeira, é só esquentar.

— Tá, eu vou deitar um pouco. — Vernon amava sua mãe, mas sabia que os diálogos com ela eram muito artificiais e forçados.

Foi caminhando pelo corredor e abriu a porta do quarto, a fechando com o pé e se jogando na cama de barriga para cima. Nem se deu o trabalho de tirar o uniforme ou os sapatos, apenas deixando seu corpo amolecer e se fundir com o colchão.

Seus olhos cansados se focaram no teto e ficaram encarando-o, sem piscar. A escuridão foi tomando conta e formando um círculo em volta da lâmpada queimada, quase como um redemoinho negro, ao mesmo tempo que as pálpebras exaustas iam se fechando. Perdendo a batalha contra o sono, mais um círculo era rabiscado na folha de papel amassada que era a mente de Hansol.

NO DISCRETION || VERHAO.Onde histórias criam vida. Descubra agora