Capítulo 1

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Para mim, jantares de família sempre foram um porre. Principalmente quando precisava ir para a mansão de minha avó Cristina. Ela não era uma senhora muito boa, apesar de ter uma casa enorme e uma biblioteca que era a única coisa que eu invejava.

Sentada no sofá há umas três horas, observo todos os tios e tias bem vestidos e com seus narizes em pé, mal dando para ver o "rei" em suas barrigas. Ele conversavam entre si enquanto minha mãe simplesmente fazia companhia a meu avô distante o suficiente para esconder a doença de alzheimer que manchava "o lado bonito" do jantar caro que eles faziam questão de ter todo mês.

Depois de tanta conversa sobre carros de esporte e eventos incrivelmente caros — que precisaria de três turnos como vendedora na livraria e não daria para pagar uma entrada — resolvi me levantar e caminhar pela mansão. Minha mãe olhou rapidamente para mim e apenas balbuciei de que iria estirar as pernas. Ela abriu um sorriso reconfortante e voltou a alimentar meu avô com o mingau de aveia.

Não entendia por que lá haviam tantos quartos, se a maioria deles permaneciam fechados, trancafiando o que quer que seja do outro lado. Mas como uma boa leitora de Nárnia e sendo apaixonada pelo clipe Take on me, de A-HA, a biblioteca sempre seria meu refúgio. Porém, antes de chegar ao quartinho dos fundos com diversas bibliografias, vi uma porta entreaberta. Uma estante com livros de capas azuis que me chamou atenção a entrar fazendo meu coração bater mais rápido.

Quando cheguei ao fim de um corredor, a alegria havia tomado conta do meu peito. O ranger da porta me fez lembrar exatamente de quando Lúcia abriu aquele guarda-roupa, e, assim como ela, adentrei o cômodo.

Livros de Shakespeare, Dante, Aristóteles, C.S. Lewis e outros muito diversos, dos mais atuais para os mais clássicos. Havia um divã vinho no fundo do quarto, com alguns travesseiros azuis-piscina dando um belo contraste que nunca havia imaginado ter. Fecho a porta atrás de mim e vou passando pelos livros passando meus dedos pelas lombadas, algumas com texturas diferentes das outras.

Sento no divã estonteante, como se pudesse ver estrelas em cima de minha cabeça com aquela arsenal de histórias querendo ser lidos, mas escuto um som. Um baixo som, como uma cachoeira bem distante. Olho para os lados à procura alguma fonte em miniatura, mas vi apenas mais livros, mesas, papéis e um belo espelho. Um espelho adornado por uma cobra engolindo a própria cauda, como o próprio ouroboros.

Levanto-me rapidamente e sinto como se o som da cachoeira viesse dele, Quanto mais me aproximo, mais o som aumenta. Meus olhos piscam um pouco. Quando volto meu olhar ao meu reflexo, não sou eu que me vejo, mas, sim, água. Levo minha mão até meu reflexo, mas assim que meu dedo o toca ao invés do vidro sólido, ele se torna uma grande poça e sinto-o me segurar minha mão. E sou puxada para o outro lado deixando minha visão em total penumbra.

A água havia me puxado pelo espelho, e mal havia percebido que havia fechado meus olhos. Ao abri-los, estava em um quarto escuro, porém o brilho da lua refletia parte da cama imensa, grande demais para um mero humano. Olho para trás à procura do espelho, mas ele havia virado fumaça, e percebo que à minha esquerda havia uma grande varanda refletindo um céu escuro cheio de estrelas que brilhavam no céu.

A varanda era aberta, qualquer um que viesse do alto, poderia entrar ali e lindas montanhas se formavam junto a um belo rio. Minha cabeça enfim parecia saber onde estava, já havia visto aquele lugar. Mas não conseguia identificar de onde. Tudo parecia grande, até mesmo eu, mas de uma forma normal. Caminho pelo quarto e percebo que tudo possui cores mais escuras, havia um belo guarda-roupa mais a frente e atrás dele uma porta para um banheiro que conseguia ver uma banheira grande.

Corte de Ilusões [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora