Capítulo Único

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Era o último dia de inverno.

E lá estava eu, sentado na cama de Choi Soobin. Enquanto ele penteava meus cabelos rosados, eu olhava fixamente para seu objeto mais marcante: um cachecol cor de rosa. Do crente ao ateu, ninguém conseguia explicar o motivo de Soobin ser tão apegado àquele cachecol.

Quando o conheci, eu estava de mudança para um bairro novo quando vi um garotinho sentado na calçada, com as mãozinhas apoiando a cabeça enquanto observava timidamente com olhinhos curiosos a chegada dos novos vizinhos. Naquele dia, o que mais me chamou atenção nele foi o seu cachecol cor de rosa, não entendia a necessidade de o garoto estar usando aquilo já que o clima estava relativamente quente.

Morava na casa ao lado, então acabamos nos vendo com bastante frequência e nos aproximamos lentamente por conta de sua timidez. Ao passar dos anos, nunca vi Soobin sem esse cachecol, andava com ele para cima e para baixo e quando estava quente demais para usá-lo, o deixava sempre na mochila, com a desculpa de que mais tarde poderia fazer frio, coisa que raramente acontecia.

Alguns anos de amizade se passaram e começamos a namorar, lembro que uma vez perguntei se ele amava mais a mim ou o cachecol e ele ficou bravo comigo, dizendo que aquela não era uma pergunta justa. Fui pra casa indignado e pintei meu cabelo de rosa — Do mesmo tom que o bendito cachecol — Soobin riu da minha cara quando eu disse que queria ser o cachecol dele. Depois me beijou e disse que me amava, mas não parou de usar aquele treco e eu tive que continuar dividindo o lindo pescocinho do meu namorado com aquele pedaço de pano. Contudo, para compensar, fiz ele pintar o cabelo de azul e aonde íamos nos chamavam de "casal algodão-doce".

— Terminei, Yeonjun! Vamos? — disse ao terminar de arrumar meus fios e me deu um selinho logo em seguida, me fazendo retornar com os pensamentos de volta ao presente.

— Vamos!

Caminhávamos calmamente pela rua lado a lado enquanto eu abraçava a sua cintura. Queria ter o máximo de toque físico com ele. Sempre fui carinhoso, mas, de uns tempos pra cá, fiquei ainda mais. Acho que o carregaria no colo por aí se o mesmo deixasse.

Chegamos a nossa sorveteria favorita. Sim, iriamos tomar sorvete, mesmo nesse frio da desgraça. Vínhamos muito aqui na época do colegial com nossos amigos, tanto nas saídas do colégio quanto nos dias que matávamos aula (mesmo com a consciência de que aquilo era errado). Não me arrependo, principalmente agora. Perder algumas aulas, não fez muita diferença pra mim e acho que isso é uma opinião coletiva. Na verdade, acho que valeu muito a pena.

Falando nos secretários do diabo, encontramo-os assim que entramos no estabelecimento. Sorri com deboche ao encarar Beomgyu, que me olhava com cara de nojo. Sentamos na mesa deles, e os olhei de cima a baixo. Eles estavam péssimos, com os cabelos desarrumados e com os olhos inchados, coisa que não era de se ver.

— Bom dia, gays!

— Você é tão hétero, não é, Beomgyu? — falei, revirando os olhos.

— Sou, graças a Deus, orgulho hétero sempre. — Beomgyu respondeu levantando o braço e mostrando os músculos.

— Cala a boca, vida. — Taehyun mandou

— Desculpa Taehyunnie, vou ficar caladinho. Por favor, não briga com eu — Eu e Soobin rimos da cena do casal.

Pedimos nossos sorvetes, e como sempre, pedi o meu de chocomenta, meu favorito.

— É deplorável ver que a pessoa sai de sua casa pra vir comer pasta de dente, isso você pode fazer em casa. — Taehyun disse, fazendo os garotos rirem com ele.

— Fica na tua, loira odonto — respondi, fazendo todos rirem.

Conversamos bastante sobre nossas aventuras no colegial. Como das vezes em que Taehyun e Beomgyu ficavam de vela para mim e o Soobin até enfim perceberem que também se gostavam. No geral, batemos altos papos sobre os momentos mais marcantes da nossa amizade.

Algum tempo depois, eu e Soobin deixamos a sorveteria, com nosso casal de amigos lá. Nem precisei olhar para trás para saber que, assim que passamos pela porta, Beomgyu havia se debulhado em lágrimas no colo de Taehyun, que encontrava-se em uma situação parecida.

Apenas seguimos até a pracinha, onde nos encontramos com Huening Kai, que, assim que nos viu, veio correndo nos abraçar e tocar nossas barrigas.

— Soobinie!

— Huening Kai! — Soobin sorriu docemente ao vê-lo.

— Trouxe uns joguinhos aqui pra gente se divertir — dizia o menor enquanto tirava várias caixas com jogos diferentes de uma sacola.

— No caso, pra você roubar e fazer a gente de trouxa os jogos inteiros enquanto você trapaceia. — Soobin fingiu uma expressão emburrada.

— Que calúnia! Um anjo como eu nunca faria uma coisa dessas.

E realmente não fez, pelo menos não hoje. Já haviam passado trinta minutos de jogos e até então ele não havia, nem uma única vez, distraído-nos para enfiar quinze cartas no bolso da calça. Ele estava meio aéreo, fingia estar bravo toda vez que perdia, mas sua mente e seu coração estavam em outro lugar.

Decidido a animar aquele jogo, escondi cinco cartas que tinha em mãos do jogo de uno no bolso e acabei sendo pego, fazendo Soobin e Kai correrem putos atrás de mim pelo parque, e logo me derrubando em cima de uma parte de neve que derretia lentamente.

— Me calunia pra depois roubar, Yeonjun? Odiei.

— Eu ia ganhar se não fosse pela sua trapaça. — Soobin me deu um tapinha leve na perna, enquanto arrumava seu cachecol.

— Em minha defesa, aquele jogo estava muito parado. — Fiz um biquinho, que logo foi recebido por um selinho de Soobin.

Passamos o resto da tarde correndo como crianças no parque, inventamos uma brincadeira de correr com o cachecol de Soobin na mão e a regra era tentar tomar de quem estivesse com ele, como se fosse pega-pega.

Despedimo-nos de Kai, que iria encontrar Taehyun e Beomgyu depois dali. Soobin e eu fomos para a minha casa e pedi para que ele fosse tomar um banho enquanto eu preparava algo para jantar.

Eu estava cortando legumes quando sinto ele me abraçando por trás, apoiando seu queixo em meu ombro.

— Obrigado por hoje... significou muito pra mim — sussurrou em meu ouvido.

— Bom, tomar sorvete no frio e correr pela praça tentando pegar seu cachecol não é um grande sacrifício, você sabe que eu faria qualquer coisa por você...

— Eu sei que faria, e eu te amo por isso.

— Eu também te amo... — Forcei um sorriso. — Senta lá na mesa que a janta está quase pronta.

Ele sorriu e ficou sentado, me olhando fazer a comida, enquanto sorria docemente, para mim.

Após a janta, o chamei para irmos ao quarto e, depois de um momento íntimo, assisti Soobin pegar no sono. Aproveitei aquela oportunidade para chorar. Chorar baixinho de dor. Chorar até a cabeça doer enquanto olhava para o rosto do meu namorado através da pouca iluminação do abajur. Não conseguia dormir, e nem conseguiria. Conseguia apenas pedir com todas as forças que o amanhã não chegasse.

Mesmo assim, ele chegou.

Chegou e meu amor foi embora, igual à neve do inverno. A primavera havia chegado, e com ela a dor da perda.

E meu coração congelou.

Soobin tinha uma doença neurológica e precisava realizar uma cirurgia com baixas chances de sobrevivência.

E como o esperado, acabou não resistindo.

Aquele inverno, aquele último dia de inverno, marcado também como o seu último dia de vida.

Ainda me lembro dele pedindo para que agíssemos naturalmente, queria que seu último dia de vida fosse normal e feliz, fazendo coisas que ele gostava. Eu e nossos amigos sofremos muito para manter tal naturalidade na frente dele, e sorrir durante aquele dia inteiro foi mais doloroso do que chorar.

Tudo que eu tinha agora era um coração congelado de dor e saudade, um cachecol cor de rosa que era a única coisa capaz de aquecê-lo e a lembrança de um inverno de coloração azul, similar aos fios de cabelo dele.

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Palavras: 1328



A Cor do Inverno é Azul • YeonbinOnde histórias criam vida. Descubra agora