Capítulo Único

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Quando Mile ouviu o sino da porta do estúdio de tatuagem tocar, ele olhou imediatamente para a pessoa que entrava. Estava no tédio naquele dia, porque era domingo, e domingo era o dia mais parado por ali. Abria o estúdio aos domingos porque precisava de dinheiro. Trabalhava todo santo dia, em quase todos os horários, porque precisava de dinheiro para pagar o aluguel, comprar comida e quitar as suas dívidas. Às vezes conseguia se dar ao luxo de comprar algumas roupas ou a comida preferida, mas eram momentos raros.

Ele tinha uma mão boa para tatuar e sabia desenhar perfeitamente. Se não fosse o pai o incentivando para fazer aquilo, provavelmente ainda estaria preso em uma família problemática. Teve uma vida complicada. Felizmente, um dia, acordou com vontade de mudar tudo ao seu redor porque não aguentava nem mais por um segundo morar na própria casa com os parentes. Todos os dias agradecia por aquele surto de coragem.

Mile continuou olhando para quem entrou no estúdio. Não parecia ser um adulto, estava mais para um garoto, diferente de Mile, que por algum milagre ainda não havia desistido de viver e estava com seus trinta e quatro anos. Por causa do rosto inocente e do moletom maior que o corpo, Mile achou que ele não passasse de um adolescente, principalmente por causa do jeito acanhado.

— Bom dia — disse, confuso, debruçado no balcão.

Talvez o garoto estivesse perdido. Ele olhou para Mile. Os dedos estavam entrelaçados, as mãos quase cobertas pelo moletom preto. Parecia nervoso.

— Bom dia — respondeu, dando alguns passos. — Eu quero fazer uma tatuagem.

Levantando as sobrancelhas, Mile esperou mais alguma coisa. Uma frase, uma palavra. Mas o que recebeu foi só um sorriso de canto. Mile o achou fofo.

— Você tem idade pra isso?

Depois da pergunta, o estranho riu e pareceu menos tímido.

— Acho que posso fazer uma tatuagem aos vinte e quatro.

— Você parece mais novo.

— Muitos dizem isso. — Mais alguns passos e ele estava perto do balcão, segurando a alça da mochila com força. — O meu amigo me indicou o lugar. Ele disse que é o melhor estúdio de tatuagem da cidade. Sou o Apo, a propósito.

Mile juntou as sobrancelhas e abaixou a cabeça. Estava envergonhado.

— Eu não sou tão bom, o seu amigo é um pouco exagerado — rebateu. — O que quer tatuar? Tem algum rascunho? — Apo mexeu na mochila. Estava uma baderna ali dentro, com polaroids, cadernos para desenhar, pincéis e lápis coloridos. — Que bagunça.

— Vida de professor.

— Tão novinho e já é um professor? — perguntou, sorrindo com surpresa, tentando puxar assunto. Ainda estava apoiado no balcão, observando Apo. Ele era atrapalhado, engraçado e adorável.

— Ainda é um estágio, mas espero conseguir ficar na escola por muito tempo. Trabalho com crianças, isso explica a bagunça. E eu não tenho tempo pra arrumar.

— Não é como se eu fosse organizado também. Se você ver o meu apartamento vai querer fazer uma faxina. Ou me forçar a fazer uma.

Apo gargalhou. Mile gostou de ser divertido.

Finalmente, Apo achou o rascunho. Mile olhou o desenho, concentrado, não percebendo Apo o observando. Estava o encarando sem pudor, tudo em Mile estava chamando a sua atenção. O pescoço e os braços eram fechados de diversas tatuagens. Eram tantas que Apo não teve tempo para olhar uma por uma. O cabelo dele estava arrumado, úmido, e usava uma regata branca. Quando se mexia, Apo conseguia ver todo o peitoral forte, porque a roupa era larga e folgada.

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