Manhãs de outono

Capítulo I: Chuvas e roupas

A chuva cai em pingos grossos, molhando aquele que vagava pela densa floresta, o homem caminhava sem pressa, demonstrando a sua invejável resistência ao clima, se guiava pela audição, desviando de árvores e pedras intrusas, a falta de visão não o incomoda já fazem décadas, mas no momento o assunto voltava a pauta, a água em abundância fazia os cheiros se misturarem sendo quase todos encobertos pelo odor da terra molhada, dificultando ativamente o reconhecimento de, o que ou quem, está chorando a vários metros de si, o som se faz baixo, contido.

Seria um humano? Ou algum "colega de trabalho"? A questão se faz devido a proximidade a qual estavam da mansão, o canibal se aproxima aos poucos do ser, preparando-se para utilizar seu bisturi em caso de ser uma vítima em potencial, os passos seguem silenciosos, encobertos pelas gotículas de água batendo contra tudo em seu caminho, com pouco metros sua presença é descoberta, mesmo que ainda não estivesse a vista.

- SE IDENTIFIQUE PORRA! - o grito desesperado em conjunto com o barulho das folhas demonstrou posição de ataque, mas a voz denunciou a identidade do ser

- O que faz aqui? - saindo de seu esconderijo entre as árvores, Jack pergunta ao assassino a sua frente, este que relaxou um pouco por não ser um dos fofoqueiros - porque estava chorando? - a voz calma dispersa pela floresta

- EU NÃO ESTAVA CHORANDO! - o canibal sorri por trás da máscara, achando graça na reação infantil do garoto

- Tenho certeza que o som veio desta direção - andando despreocupadamente, fica frente a frente com o 'The killer

- E eu com isso?! - o tom raivoso permanecia mesmo com a diminuição do som, porém ele não encobria a voz chorosa

O momento se fazia estranhamente familiar para o mais velho, o colocando na situação de seguir os instintos, estes que insistiam para que rodeasse o assassino com os braços, prendendo o corpo do menor contra o seu, assim o fez. Jeff gritou, se debateu e o socou, mas por fim, acabou cedendo e chorando contra o peito do homem, odiando o fato de sua faca ter caído no meio do susto.

□◇□◇□

Jeff tremia de frio entre os grossos lençóis, amaldiçoado o clima congelante misturado com a chuva forte, esperava grandemente não pegar um resfriado, o som da porta se abrindo chamou sua atenção como um imã, as íris claras focam no dono do quarto o qual haviam entrado pela janela, este se encontrando sem camisa, mas com uma muda de roupas em mãos, o assassino desvia o olhar, sentindo seu rosto esquentar gradualmente.

- Veste uma roupa caralho! - falava baixo, se alguém os ouvisse no quarto designado ao canibal, as perguntas e fofocas seriam inevitáveis, levando a sua reputação ao lixo

- Nunca viu um homem sem camisa? - a pergunta carregava um tom genuíno, apenas curiosidade, mas levar como desafio seria muito melhor do que responder ao questionamento

- 'Tá insinuando o quê, cegueta? - ótimo, uma resposta evasiva, um belo convite para discutir, brigar e por fim tentativa de assassinato

- Interprete como quiser - uma provocação! Agora se os ouvirem será apenas uma briga, ninguém pensaria que o grande Jeff the Killer entrou no quarto de Eyeless Jack por outro motivo banal

- Interprete minha mão na 'tua cara! - o garoto vira, pronto para cumprir com o que foi dito, entretanto, ele parou no lugar, não havia percebido que o homem estava tão próximo de si, ainda sem a maldita camisa

- Seus dedos estão machucados, seu objetivo não vai ser efetivo estando nesse estado - o canibal fala simplista, tirando a máscara para não incomodar o rosto

- Veste. A. Porra. Da. Camisa - Jeff dita entredentes, agradecendo mentalmente pelo ser a sua frente não ter olhos para ver sua expressão

O maior levanta suspirando, cansado de discutir, se dirigiu a cômoda tendo o assassino o acompanhando com o olhar, certificando-se que seu comando fosse atendido, talvez estivesse focando demais na "paisagem", só talvez. Com o tecido do casaco cobrindo o dorso de Jack, o rapaz pôde respirar aliviado, voltando a perceber o frio que aquela manhã de outono trazia.

- Vista - o canibal para na frente do mais novo, segurando a muda de roupas secas que trouxe consigo vindo do quarto do Woods - se não, vai adoecer

- Vire - Jeff as pega, sentindo os dedos aderem pelo contato

- Como assim? - Eyelles já havia entendido, apenas não conseguia acreditar

- Fique de costas para mim - audácia, a única palavra que descrevia o que o canibal ouviu

- Você sabe que eu sou cego, certo?

- Fodasse - ele estava sério, a voz não dava indícios de que voltaria com a palavra - vira caralho!

Jack sorriu levemente e logo obedeceu, enquanto o menor sentia seu rosto queimar pela vergonha enquanto tirava a roupa molhada, as peças eram trocadas em uma velocidade surpreendente mesmo que as mãos em carne-viva e sangrando atrapalhassem o processo. Quando terminou, deitou-se na cama, não esquecendo de avisar o dono dela que poderia parar de "olhar" a parede, o mais velho sentou no colchão duro, analisando seu "colega" pelo peso que a profundidade demonstrava, queria tocar no garoto para saber sua temperatura e pulso, esse tipo de pensamento era automático para si, talvez tenha estudado medicina ou enfermagem quando era vivo, isso explicaria a maneira que usa o bisturi, entretanto, sabia que se chegasse perto demais certamente levaria um chute nas costelas.

- É bom você ir ver a Nurse Ann. - comentou sentindo um cheiro de sangue que não está acostumado, ele é diferente daqueles nas roupas e nas manchas espalhadas pela mansão, portanto vem do menor

- 'Tá me expulsando? - Jeff acusou, de certa forma aquele lugar se fazia confortável

- Não

- Por educação?

- Não...?

- Então me deixe descansar

O silêncio prevaleceu, só as respirações calmas e uma agitação no andar inferior podiam ser ouvidas, o que era raro para o adolescente e uma constante realidade para o canibal, com alguns minutos de pura tranquilidade, Jeff finalmente saiu do cômodo, se dirigindo para o seu próprio, ele nunca aceitaria ir até aquela mulher por um problema que poderia arrumar sozinho, seu ego não permitia e essa não seria a primeira ou a ultima vez que voltaria a cuidar de si mesmo sozinho.