EXPLICANDO A DISSOCIAÇÃO COGNITIVA BRASILEIRA

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          Os observadores estavam fora de si com a oportunidade de contemplar um fenômeno tão raro. Sabiam muito bem o quanto eram privilegiados, que haviam ganhado na loteria das loterias, e que os grandes cientistas do passado teriam aceitado se digladiar em arenas se isso lhes permitisse estar no lugar deles.
          Uma considerável parcela do conhecimento científico provoca deslumbramento exclusivamente num grupo de matemáticos, físicos e químicos, capazes de entender as equações que validam determinada teoria. Mas esse é o ápice, nada além de frios cálculos solucionados numa folha de papel, não a observação do fenômeno estudado com os próprios olhos. Não há como constatar diretamente o estado da matéria no interior de um buraco negro, por exemplo, por mais que os cálculos revelem o que pode estar ocorrendo ali.
          Outra parcela do conhecimento reside nos resquícios do passado que por acaso foram preservados em sítios arqueológicos, ou documentos escritos em alguma língua morta, obrigando os antropólogos, historiadores e arqueólogos a tentar montar um quebra-cabeças complexo sem ter todas as peças. Tudo isso enquanto tentam se conformar em saber que chegarão, no máximo, a explicação mais provável para os fatos, nunca à plena certeza. Para isso, seria preciso ter uma máquina do tempo. Mas não eles. Aquele grupo iria testemunhar tudo ao vivo, assim que seu professor e líder daquela expedição científica emergisse de sua crise de indecisão.
          O mestre estava exausto. Aquela semana lhe ensinou empiricamente que a abundância de informações pode ser um desafio maior do que a escassez. Não importava quantos filtros ou métricas adicionava, quão afunilada deixava a busca, as opções teimavam em permanecer na casa das centenas de milhares, ou até mais. Todos os exemplos eram perfeitamente válidos! O conflito pessoal e familiar causado pelo fenômeno ocorria milhares de vezes diariamente no Brasil. No fim das contas, ele apenas se convenceu da futilidade do esforço de escolher e simplesmente programou seu algoritmo para sortear um exemplo bom o bastante para seus alunos. Enquanto os convocava para o laboratório, teria tempo para pensar em alguma maneira de justificar sua escolha, mantendo a admiração dos pupilos intacta.
          E foi com brilho nos olhos que os estudantes tomaram seus lugares, ansiosos pelo início da projeção. Nem sequer pretendiam tomar notas, depois podiam rever e escrever o que achassem necessário. Agora era hora de grudar os olhos e não perder nenhum detalhe do incrível fenômeno: o almoço de domingo da família Silva estava para começar!

          — Vai dar JAIRO BONARO no primeiro turno sim! Não é possível que o povo queira tirar o melhor presidente que esse país já teve para colocar de novo um ladrão no lugar! — vociferou Odair.
          — Melhor em nos fazer passar vergonha, só se for, tio!  Eu não sei em que mundo você vive, não é possível que seja o mesmo que eu! Esse homem não tem um único lado bom… — retrucou Sofia, enquanto movia a salada de lugar para que ela ainda se mantivesse comestível, já que aquele mau hábito de falar cuspindo de Odair era multiplicado durante discussões.
          — Você, falando em vergonha?! Com esses braços cheios de tatuagem, argola de boi no nariz, e que dá pra qualquer um, seja homem, mulher e até uns que nem dá pra saber o que é?
Um tapa na mesa assustou o gato dormindo em uma das cadeiras ainda desocupada, que foi embora resmungando, mas Dona Maria nem tentava controlar a raiva que sentia quando seu irmão atacava sua filha.
          — É por isso que eu não convido mais você pra nada aqui, você estraga tudo sempre! Resolvi dar essa chance porque você prometeu que ia se segurar, mas agora tá aqui ofendendo minha filha, na minha presença?! É você que tá pagando as tatuagens da Sofia, ou bancando os encontros dela?! Nem eu faço isso, ela é adulta e tem sua carreira, ganha mais que você e tem o direito de fazer o que ela quiser da vida!
          — Obrigada mãe, sabe que eu te amo né?! Mas não se preocupe, nada do que um BONARISTA como ele diz me afeta. Não quero sua pressão saindo de controle por conta desse ignorante. Acho um elogio ele discordar do meu estilo de vida, significa que estou indo bem! Mas é divertido ver como ele foge do tema. E se eu fosse mesmo essa puta que você acha que eu sou, o que isso tem a ver com o assunto, que é esse presidente lixo que você defende?!
          — Desculpa, irmã, e desculpe, Sofia. Vocês têm que entender que eu tenho vários anos a mais que vocês duas, sou de outra geração, é difícil entender essas modernidades. Mas eu sei que você é uma menina trabalhadora, me escapou isso… desculpa mesmo. — disse Odair, num instante de autoconsciência, antes do tom de voz se elevar novamente ao voltar a abordar a política: — Mas vocês também podiam provocar menos, eu me descontrolo quando ofendem assim o presidente. Eu não entendo como vocês podem pensar assim mal dele da família dele. Eu concordo com você, sobrinha, parece mesmo que a gente vive em mundos diferentes, porque eu não entendo como pode falar tão mal do governo que consertou esse país!

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⏰ Última atualização: Sep 26, 2022 ⏰

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CONTO: Explicando a Dissociação Cognitiva BrasileiraOnde histórias criam vida. Descubra agora