1 - A ideia do Ano Sabático

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Pov Claire

Este ultimo ano foi um grande desafio para mim. Além da minha enorme carga de trabalho, minha vida deu uma reviravolta quando Frank e eu decidimos nos separar. Estávamos juntos há 6 anos, começamos a namorar quando eu ainda estudava medicina. Todo o tempo Frank esteve presente, porém de uma forma bastante desinteressada pelo que eu fazia. Ele era narcisista demais para se importar. Tudo que ele respirava era história e a vida dele como professor. Sempre foi um ponto nevrálgico do nosso relacionamento, pois ele queria que eu estivesse a disposição para todos os eventos sociais da universidade e eu geralmente estava muito ocupada para isso. Mas por algum motivo levamos esse relacionamento sem sentido adiante, fomos morar juntos logo que me formei. Tivemos muitas brigas por conta da minha carga excessiva de trabalho, mas eu estava começando minha carreira e precisava me dedicar. Frank, por outro lado, também vivia na universidade, rodeado por acadêmicos de egos igualmente inflados e por alunos bajuladores. Era o meio que ele adorava transitar. Nós ainda estávamos juntos principalmente por comodismo, mas um dia o peguei aos beijos com uma de suas alunas, e dei um basta na situação. Como a casa era dele, juntei minhas coisas e me mudei para um pequeno apartamento perto do hospital.

Eu trabalhava num dos melhores hospitais de Glasgow, uma referência em neurocirurgia, minha área de atuação. Eu amava meu trabalho, mas a partir de então passei a praticamente viver para ele. Pegava todos os plantões, vivia exausta. Trabalhei em todos os feriados e por muitas noites seguidas. Meus amigos me chamavam para sair e eu sempre arrumava desculpas. Até que comecei a me sentir mal por pura exaustão. Perdi peso, tive muitas crises de enxaqueca, enjoos e dores pelo corpo.

Meus amigos mais próximos, Joe e Geillis, que eram colegas no hospital e acompanhavam meu ritmo insano de trabalho, começaram a me pressionar para tirar férias e descansar. Eu continuava resistindo a essa ideia. Até que um dia tive uma grande crise de enxaqueca, e desmaiei no meio do hospital. Quando acordei estava deitada em um dos quartos, um soro ligado ao meu braço. Meus superiores foram informados, mandaram que fizessem todos os exames possíveis. Fui diagnosticada com anemia e um quadro severo de stress, então me colocaram de licença médica.

Quando finalmente tive alta fui direto ao departamento pessoal pedir para revogarem minha licença médica, alegando estar em plenas condições de trabalhar, mas fui veemente negada, o que me deixou furiosa. Disseram que minha licença seria de pelo menos 15 dias e depois eu seria reavaliada.

Meus amigos, cansados da minha falta de bom senso, ligaram para meu tio Lambert, que era meu único parente vivo, chamaram Louise, uma outra grande amiga, e fizeram uma intervenção, logo depois que fui para casa. Aquele dia foi um carrossel de emoções. Primeiro fiquei muito feliz quando Lamb chegou. Logo chegaram meus três amigos e me sentaram no sofá. Cada um teve seu momento de falar, disseram que eu precisava me cuidar, parar de viver para o trabalho, que precisava de terapia, de descanso, viagens e diversão. Inicialmente fiquei muito brava por estarem fazendo aquilo comigo. Gritei, esbravejei, argumentei que a vida era minha e que eles não tinham nada que se meter. Eles foram irredutíveis, continuaram apresentando argumentos, até que meu tio se levantou, me abraçou e falou calmamente:

- Chega, minha querida. Você precisa ver que o que você está fazendo com sua vida não está certo. Você é tão especial, inteligente, generosa com todos, porque não cuidar de si mesma? Estou pedindo, se não por você mesma, faça isso por mim. Você precisa se colocar em primeiro lugar, se redescobrir. Deixe aquele canalha do Frank pra trás, ele nunca fez bem pra você. Você merece ser feliz, Claire!

Naquele momento algo se quebrou em mim. As lágrimas começaram a cair livremente e eu me permiti sofrer por tudo que perdi, por um relacionamento que eu investi tanto mas que só me fez mal, pela tristeza por me achar insuficiente o tempo todo. Essas eram as pessoas que eu mais amava no mundo, e se eles se juntaram para me fazer ver que algo estava errado, eu precisava ter a humildade de ouvi-las.

- Tudo bem, pessoal. Eu reconheço que tenho exagerado muito no trabalho, que preciso voltar a ter uma vida social. Mas o que vou fazer? Se ficar de licença médica, o que vou fazer da minha vida?

- Claire, uma coisa que você sempre quis fazer: viajar! Sei que nós dois fizemos muito isso juntos. Mas será diferente se você fizer isso sozinha, vá rodar pelo mundo, conhecer pessoas, culturas diferentes. Que tal tirar um ano sabático? Sair por aí, sem pressão de tomar qualquer decisão, sem destino? Certamente dinheiro não é um problema, aproveite a oportunidade que a vida está te oferecendo! – disse Lamb.

Geillis pula do sofá com olhos arregalados:

- Pessoal, lembram do nosso pacto? É hora de cumprimos nosso acordo!! Chegou o momento de fazermos a nossa viagem desafio!

Todos nos entreolhamos, calados, lembrando daquela noite há anos atrás, ainda na universidade.

Flashback:

Acabamos os exames finais daquele ano, depois de semanas praticamente virando a noite estudando. Compramos bebidas, pedimos pizza e fomos para nosso apartamento para comemorar. Joe, Geillis, Louise e eu dividíamos um apartamento perto do Campus e éramos inseparáveis na universidade. Apesar de Louise ter mudado de curso no meio do caminho e ido para a área de farmácia, abandonando a medicina, ela continuava nos acompanhando em tudo.

Estávamos cansados demais para sair, então decidimos beber em casa e assistir alguns dos nossos programas favoritos na TV. Sempre assistíamos juntos programas sobre viagens e natureza, do tipo National Geographic. Naquele dia passava um programa sobre as trilhas mais belas do mundo, e a primeira delas era em um lugar que para nós parecia ficar no fim do mundo, o Chile. Parque Nacional de Torres Del Paine era o nome do lugar. As imagens eram de uma beleza surreal, e o apresentador do programa mostrava como eram as trilhas no parque. Ficamos todos mudos, assistindo admirados. No final nos olhamos e alguém teve a ideia brilhante: Precisamos conhecer esse lugar e fazer essa trilha! Outro de nós respondeu: E vamos fazer isso juntos depois que nos formarmos, será uma viagem de desafio e redescoberta para todos nós. Nos levantamos, já um tanto bêbados, fizemos um círculo no meio da sala, os braços nos ombros uns dos outros. É um pacto, pessoal, vamos a este lugar no fim do mundo, vamos a Torres del Paine juntos.!!

Os anos foram passando, tanta coisa aconteceu conosco. Todos nós tivemos relacionamentos frustrados, cada um em um momento. Somente Joe estava com alguém que parecia ter futuro. O pacto foi parcialmente esquecido, mas sempre em momentos difíceis ele voltava em nossas mentes. 


Nota:

Estive em Torres del Paine 2 vezes e é um dos lugares mais impressionantes que conheço. Da primeira vez fiz a trilha do Circuito W e da segunda vez não fiz os circuitos de trekking, apenas trilhas pequenas e circulei pelas estradas do parque de carro, o que foi igualmente maravilhoso. 

Para saber mais sobre o Parque Nacional Torres del Paine;

https://www.natgeo.pt/viagem-e-aventuras/20

https://apenomundo.com/chile/circuito-w-o/

https://gochile.com.br/pacotes/circuito-o-por-las-torres-del-paine.htm

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