O que o medo é capaz de fazer...

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Ao apagar a luz da cozinha, Lucas tomou uma pontada de susto quando a janela da sala de jantar se arreganhou subitamente, abrindo ambos os lados para dentro e causando um barulho muito alto que ecoou pela casa toda. Apesar de saber que o vento causara isto, o susto se deu por ter acabado de fechá-la.

 Ventava violentamente forte lá fora, então Lucas, após se esquecer do susto e reacender a luz da cozinha, correu para fechar novamente a janela, mais forte desta vez. O trinco estava um pouco gasto e já não alcançava tão bem o outro lado, deixando-o solto.

 — Ah! Meu Deus! — Grunhiu de desânimo, ainda tentando prender o pequeno ferro cilíndrico na base do outro lado. Finalmente conseguiu, mas estava obviamente frouxo. — Ah! Fodase. Vai ficar assim!

 Virou as costas e andou novamente em direção ao quarto, talvez já esperando o que aconteceria em seguida.

 A janela se abriu novamente, deixando o sopro fino e constante do vento entrar. Ele parou, ainda de costas, e soltou um suspiro. Não poderia se estressar com isso, não agora. Já passavam das 22h e ele precisava dormir, pois acordaria cedo, muito cedo, daqui a exatas sete horas; pegaria um ônibus, depois outro, e depois outro, chegando às 6h no trabalho e ficando até às 19h; depois, voltaria para casa com os mesmos três ônibus e tudo se repetiria. Mas agora, precisava dormir!

 Respirou fundo e decidiu tentar uma última vez, mas ao invés de se virar, continuou andando e atravessou o corredor escuro. Voltou logo em seguida, colocando um par de meias na mesma mão; primeiro uma, depois a outra por cima. Pegou o tapete fino e desgastado da frente da porta do banheiro e torceu-o; parou em frente a janela, respirando fundo novamente; socou usando toda força que tinha os dois quadrados de vidro mais próximos do trinco que estavam lado a lado, quebrando-os, e então, usou o longo tapete torcido para amarrar as duas partes da janela com um nó — ou dois, já não tinha certeza.

 Tirou as meias da mão e viu que nada de mais havia acontecido, e por isso ficou surpreso em como pensara tão rápido nessa solução. Mas no mesmo minuto, percebeu que agora tinham dois buracos na sua janela, pequenos, claro, mas ainda assim, alguém poderia desfazer os nós e invadir sua casa. Seria fácil!

 Decidiu ignorar esses pensamentos quando notou que estava quase dormindo em pé. Suas pálpebras lutavam para descer por completo, e ele estava quase cedendo.

 — Amanhã eu resolvo isso. — murmurou sozinho, como se tentasse convencer seu próprio cérebro.

 Ao voltar à sua posição inicial, apagou mecanicamente a luz da cozinha, a luz do quarto, e passou direto pela porta, sem fechá-la, ignorando-a. Despencou de costas sobre a cama e não moveu um músculo, apenas se permitiu perder a batalha contra o sono. Afinal de contas, ele sempre é mais forte.

 Por fim, lá estava Lucas, caído sobre o colchão que mais lhe parecia uma grande nuvem. Barriga para cima; pernas esticadas, quase ultrapassando o limite da cama e ficando pendidas para fora; um dos braços caído sobre o peito e outro esticado até a cintura. Dormia tranquilamente bem. Se fosse possível alguém entrar em sua casa e vê-lo de perto, notaria que expressava um leve sorriso. Estava profundamente satisfeito e despreocupado. Um sono tão pesado que nem mesmo em caso de fogo acordaria.

 Após o relógio que ficava em algum lugar do quarto bater silenciosamente às 3h, felizmente não havia fogo em sua casa. Contudo, mesmo em meio ao silêncio absoluto, os olhos do rapaz se abriram calmamente, como se ouvisse alguém chamar seu nome com uma voz tão doce que era capaz de superar até mesmo a força do sono. Não tinha certeza se estava mesmo acordado, movia os olhos ao redor e não via nada além da escuridão, que só não era absoluta por conta da luz do poste lá fora, que entrava pela janela quebrada e iluminava suavemente o refletivo chão da cozinha.

TEM UM BICHO NO MEU QUARTO! - conto de terrorOnde histórias criam vida. Descubra agora