Era uma noite tranquila, as 23:47, tudo que era possível de se ouvir era uma televisão alta, passando um programa qualquer de reality show, e os carros rasgando o asfalto ao fundo, os mesmos sons de todas as noites por esse horário, os mesmos sons de todos os dias antes de ir dormir. Meu sono sempre foi algo complicado, barulhos urbanos e caóticos sempre me despertaram. Custei a apagar, na verdade.
Lembro-me pouco dos pensamentos intrusivos antes de dormir, algo sobre como eu era um empecilho aos outros e o quão monótona e repetitiva eram minhas decepções até o atual momento, algo ruim no geral, mas nada próximo ao que ocorreria a seguir. Meus olhos não se abriam, meu corpo lutava de forma exaustiva para mover-se por milímetros, o ambiente era quieto, frio e escuro, diferente da noite barulhenta, quente e iluminada pela luz da lua cheia a qual eu fui dormir, o pensamento imediato foi simples, "não se desespere" como ocorria com frequência, era apenas paralisia do sono, algo perturbador, porém rotineiro pra época de estresse a qual me encontrava. A poucos dias havia tentado tirar minha vida, alguns remédios fortes, alta dose de drogas e álcool no sangue, até o momento ainda estava me recuperando do estresse e exaustão que aquilo havia provocado em meu corpo, tomei como pensamento racional a decisão de aguardar até que passasse, seria algo como todas as outras vezes, a impotência de não se mexer e a mistura da dor excruciante de ser cortado de forma selvagem e o terror de não respirar direito, algo que por algum motivo ocorria, não uma simples dificuldade, mas a verdadeira falta de ar ambiente que fazia meus pulmões doerem quase tanto que os ferimentos em meu corpo, era nauseante todas essas sensações, meu corpo incapaz de processar tantas informações sensoriais que pareciam tão reais e vívidas quase vacilava e desistia. Mas nessa noite não, algo parecia errado, algo parecia que não devia estar onde estava, por mais que as sensações eram vividas a ponto de me fazerem estar suando frio ao acordar, essa noite não havia dor, eu respirava como de costume, eu conseguia me mexer, eu sabia que conseguia, mesmo sem ter tentado, tal como a certeza que saber que eu podia respirar e me mover livremente era mais clara ainda a necessidade de não fazê-los, eu fiquei paralisado, estagnado me baseava apenas em minha intuição, que diferente das outras vezes onde só dava sensações vagas e embaralhadas, dessa vez me passava uma única mensagem clara e quase que absoluta, "NÃO SE MOVA EM HIPÓTESE ALGUMA!". E assim o fiz, por minutos... Talvez horas, foi realmente o que pareceu ser. E enfim aconteceu, algo grande adentrou ao recinto, algo que eu não consegui ver, e sinceramente me aperta o peito tentar imaginar o que era, um ser quadrúpede que respirava de forma calma e profunda, um som baixo porém imponente que rasgava o silêncio do ambiente, não demonstrava nenhum traço de agressividade, não sei se por não ver necessidade ou por simplesmente saber que era inevitável o fim a qual eu chegaria, um cheiro forte, amargo e podre, enxofre presumi além do cheiro nauseante de morte, o ser que havia ao meu lado, não era pra estar lá, não por ser um sonho mas por parecer real o suficiente que me fez chorar inconscientemente, aquele ser deitou ao meu lado, se encostando em mim, a sensação era estranha, o corpo daquele ser queimava minha pele ao mesmo tempo que não apresentava calor, muito pelo contrário, era gelado, gelado a ponto de fazer com que eu sentisse na espinha quando sua pele encostou no meu corpo, lá ele ficou por horas, não dormiu, não se mexeu e tão pouco fez algum movimento que fosse feito como ataque, só a mesma sensação de fervor na minha pele, eu tinha certeza que ele sabia que eu estava despertado, sabia que eu sentia ele, mas principalmente, sabia que eu não faria nada.
Tudo o que eu sentia era que a morte era inevitável, e desde aquele dia, essa sensação ecoa em minha mente. Eu acordei, sem reação na manhã seguinte, fiz as mesmas coisas de sempre, mas no fundo eu sabia, que aquilo era diferente de tudo que eu havia passado até então, era absurdo demais, era vivido de mais, aquilo havia me marcado e estava próximo, tão próximo que eu não temia vê-lo mais ao dormir, e sim ao despertar.
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O cão do inferno
HorrorUma breve passagem sobre minha experiência com paralisia do sono