Enforcado

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Eu tava sentado em um dos bancos da estação esperando o trem para casa, o som de passos ficava mais alto a cada minuto mas em momento algum eu vi uma pessoa se quer desde que me sentei e sorri para uma senhora que estava sentada ao meu lado e uma garota japonesa distraída.

A senhora sorriu de volta e então pegou sua bolsa camurça e puxou um chihuahua pela coleira cor de rosa para dentro do vagão de trem, eu não pude deixar de perceber que ela tinha sangue na barra da calça e nas mangas da blusa e conforme ela foi se afastando eu senti o cheiro de enxofre cada vez mais longe.

Depois que a senhora partiu uma garota de cabelo curto com mechas amarelas se sentou do meu lado, os fones grandes e redondos dela envolviam toda sua cabeça e ela estava totalmente entretida em um livro que não me lembro o nome, ela me viu quando parou para procurar os óculos e não conseguia os achar, eu sorri fraco pra ela e fiz sinal apontando para o topo da minha cabeça, ela olhou confusa e então tocou o topo da própria cabeça, quando encontrou os óculos sorriu e voltou a ler o livro. Ela foi embora não muito tempo depois quase deixando sua mochila cheia de livros cair.

Meu trem é um dos últimos a passar então estou acostumado a ficar longas horas esperando mas hoje tudo estava tão calmo que me perturbou, sempre era possível ouvir garotas rindo enquanto gravavam seus tik toks ou alguém tocando uma bateria, pra falar a verdade era possível sempre ouvir algum tipo de som no metrô mas hoje, hoje não, tudo estava tão calmo que parecia a estação de uma cidade bem pequena daquelas que o trem passa uma vez por dia e ainda assim não consegue ficar cheio, a única coisa que eu escutava quando meus fones ficavam em silêncio para trocar de uma faixa a outra eram passos apressados de alguém correndo pelas escadas e desde que me sentei já se passou uma hora e não vi ninguém descer das escadas ou dos elevadores.

Uma das luzes perto da escada piscou e caiu no chão espalhando cacos de vidro por toda parte e minha touca voou com o vento, eu levantei e a peguei então sangue caiu do meu nariz.

— Que estranho. - eu limpei o sangue com a manga da minha blusa e percebi que tinha caído sangue na barra da minha calça e nos meus tênis, realmente estranho meu nariz não sangrou tanto para me sujar dessa forma.

Quando me levantei alguém esbarrou em mim e me fez cair, na tentativa de amortecer a queda colocar as mãos no chão parece ter sido uma péssima ideia, eu caí e ralei minhas mãos além de ter caído bem em cima de alguns cacos da lâmpada estourada.

— Oh querido! Perdão! - uma voz gentil ecoou em meus ouvidos e quando olhei pra cima vi uma moça loira vestida em um terno feminino de saia, o blazer estava pendurado sobre seus ombros e ela carregava uma bolsa de mão branca com símbolo de alguma marca cara, ela esticou a mão para me ajudar mas eu recusei, não queria sujar ela de sangue.

— Tudo bem. - Ao ver que eu estava bem ela sorriu e foi até a linha amarela esperar pelo trem, eu olhei pro meu relógio no meu braço esquerdo e já era hora do meu trem.

Peguei minhas coisas no banco e fiquei em pé ao lado dela, o olhar dela se voltou a mim e então ela pegou algo na bolsa e me entregou

— Perdão por ter te derrubado, isso vai ajudar a tirar o sangue. - depois disso ela não me disse uma palavra sequer.

Quando o trem chegou às portas não queriam abrir, alguns minutos depois elas ainda não abriram, quando deu trinta minutos e elas ainda estavam fechadas a moça começou a sorrir jogou seu blazer no chão e largou a bolsa, ela chegou perto das portas e começou a bater a cabeça contra elas, eu não sabia como reagir, ela continuou batendo a cabeça e sorrindo até começar a sangrar e foi aí que ela parou, o corpo totalmente imóvel a cabeça pendendo para frente os cabelos antes arrumados agora bagunçados, sujos com sangue e grudados dentro da ferida recentemente aberta, sem mover o corpo ela começou a sussurrar algo, eu não me atrevi de chegar mais perto para tentar escutar e estava me afastando o máximo possível dela quando ela virou a cabeça sem mexer nenhuma outra parte do corpo, consegui ouvir os ossos sendo quebrados, ela ainda tinha um sorriso no rosto mesmo com ele todo machucado, o sangue fazia parecer que ela havia chorado lágrimas de sangue.

— Corra. - disse sem mover os lábios, a voz que antes era doce e gentil agora carregava ódio era grossa e pesada eu sentia uma pontada no coração apenas por ouvir ela.

— O que? - a voz me confundia pareciam várias pessoas juntas em uma só.

— CORRA GAROTO CORRA! - a voz antes grossa agora era fina como se algo estivesse me avisando dos perigos por vir mas eu não conseguia me mover, eu queria correr e sair dali o quanto antes, mas minhas pernas não se moviam.

— É SURDO? CORRA! - a voz gritou novamente voltando a ser grossa e carregada de ódio.

Foi como um raio me atingindo eu virei e larguei minhas coisas ali mesmo e comecei a correr escada acima, mas nunca parecia terminar e quando eu chegava ao fim apenas voltava ao mesmo lugar que estava antes, não tinha nada me perseguindo mas eu não conseguia parar de correr. Quando dei a quarta volta tentando fugir de algo que não existia eu vi uma pessoa sentada no banco esperando pelo trem, tentei correr até ela mas tropecei e acabei segurando em uma lâmpada que estava próxima, a lâmpada estourou na minha mão e cortou ainda mais minhas mãos, eu me levantei correndo fui até a pessoa quando ia tocar nela algo me puxou e a única coisa que consegui segurar foi seu gorro, eu caí no chão e essa coisa me arrastou até a lâmpada estourada e me deixou lá, o desespero me subiu a cabeça e não importava quantas vezes eu tentasse gritar nada saia da minha boca, em um ato de desespero eu me arrastei pelo chão e segurei a pessoa pelos tornozelos sujando a barra de sua calça com meu sangue mas alguém esbarrou nele e o derrubou mas não demorou muito pra ele se levantar olhar seu relógio no braço direito e ir até a linha amarela.

Nesse momento eu entendi o que estava acontecendo, eu ouvia uma respiração pesada atrás da minha cabeça e mãos pesadas segurando meu corpo no chão ao olhar perto da linha amarela eu ainda estava lá parado esperando um trem que não tinha chegado, a moça do meu lado mandava mensagens sorridente no telefone.

É o único jeito.

Eu me levantei e fui até meu corpo, foi como acordar de um sonho minha respiração ainda estava pesada e eu sentia o peso de alguém pendurado em mim, não tive coragem de tentar ver quem era, eu toquei o ombro da moça e sorri gentilmente e ela me devolveu o sorriso gentil, senti o peso deixando meu corpo e minha garganta voltar ao normal vi a sombra se envolvendo na moça e suas lágrimas descerem pelo rosto.

O olhar dela entregou tudo, ela sabia o que estava acontecendo agora e que era a vez dela de tentar fugir daquilo ou simplesmente aceitar a própria morte.

Isso não é mais problema meu, meu trem chegou, eu entrei e olhei uma última vez para a moça, uma criatura deformada de corpo preto pendurada de cabeça para baixo se agarrou a ela e segurava uma forca envolta de seu pescoço. Sempre. Com. Um. Sorriso.

E eu sobrevivi mais um dia;

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