estado de fuga

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estado de fuga:
é uma condição psicológica na qual alguém se move e fala, mas sem estar consciente disso. Estados de fuga podem ser induzidos por álcool ou drogas, quando um indivíduo não tem memória de suas ações.

dor.
dor que arde.
dor que rasga a pele.
dor que rasga a alma.

dor...
de traição.

você já amou tanto alguém? a ponto de deixar para trás tudo que lhe era especial?
tudo que lhe fazia sentido?
tudo que lhe era correto?
talvez ilubriada na mera ilusão de que novas e boas memórias, interesses e motivações iriam chegar até você?
de que coisas boas estariam por vir?
de que junto àquela pessoa, poderiam lhes atacar com paus e pedras, mas que por estarem juntos, nada os abalaria?

sim, eu conheço bem esse sentimento.
quer dizer... conhecia.

após anos, anos e mais anos de casamento (27 anos para ser mais exata, mas não que isso importe pelo visto) após tantos momentos vivenciados, tantas memórias, tantos gestos, tantos sorrisos, tantos olhares, toques, ações, palavras, e... lembranças...

será que no final nada irá passar disso?
de
...lembranças?

eu sou uma mulher com mais de 50 anos, sou advogada, sou mãe, sou ministra do Brasil, sou professora, eu fui candidata à presidência!

como eu pude!?

como pude NÃO perceber o óbvio?

como pude deixar TUDO isso passar batido?

meus olhos doíam, minha cabeça latejava, meu corpo tremia, o áudio que a pouco tempo eu havia colocado em loop, passava por meus ouvidos e entrava como alfinetes extremamente finos e pontiagudos em meus tímpanos, minha respiração falhava assim como os batimentos de meu coração, e por mais insólito que isso possa parecer, meu rosto queimava, mas o que ardia feito brasa, era o meu peito.

os sentimentos de incômodo, tristeza e revolta eram quase que palpáveis naquele canto escuro, frio e afastado de meu escritório.

eu queria tirar tudo aquilo de mim o mais rápido possível.

sentia atravessar por cada átomo de meu corpo a sensação de impotência a qual eu fui submetida, correndo em alta velocidade por minhas veias e artérias, rasgando qualquer tecido que passasse em sua frente. vinha da ponta dos pés ao topo de minha cabeça, desacelerando e passando graciosamente pelos meus olhos, como forma de chacota e castigo pelo ato de eu mesma ter me transformado em uma mulher fraca!
amedrontada com o fato de alguma hora ter que encarar a dura e infeliz realidade, eu me deixei tapar os olhos, como que num movimento involuntário de meu próprio corpo.

talvez inconscientemente ele já soubesse e estivesse se preparando desde aí...

- amor, você está aí? - meu marido perguntava do outro lado da porta. - cheguei faz uns 30 minutos e você ainda não saiu daí, acabei ficando preocupado, qualquer coisa você pod...

- preocupado? - abri a porta de supetão sem me importar com meu semblante raivoso de rosto inchado, vermelho e úmido pelas lágrimas que caiam até pouco tempo.

- amor, o que aconteceu? por que está chorando desse jeito, ocorreu tudo bem lá no plenário?

- tudo ocorreu perfeitamente bem. - dei-lhe as costas indo em direção ao aparador posicionado contra a parede cinza, derramando em direção ao meu copo, uma boa dose de scotch, enquanto ele se acomodava no espaçoso e macio divã localizado de encontro a outra parede. - o ruim foi quando seu amigo Ricardo me chamou para conversar.

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