In your eyes

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— Que raiva Lucien. — Resmunguei de braços cruzados enquanto caminhava. Não ouvi seus passos atrás de mim, quer dizer que não está me seguindo, ótimo. Já tive emoções de mais por hoje.

O fato de Lucien conseguir mexer comigo me assusta. Acabo dizendo mais para mim do que para outros que o quê sinto por ele não passa de repulsa, mas se fosse mesmo só isso eu não iria me sentir como estou agora. Quero dizer, ficar nervosa e querer irritá-lo, avançar e querer recuar, responder à altura das provocações ou então só querer ficar quieta enquanto sinto minhas pernas tremerem... Quer dizer desgosto, certo?

O tom de voz que ele usa, por mais que seja desagradável e a postura, por mais que ele seja debochado, sinto um pouco de diversão. E raiva.

Sinto que vou ficar maluca.

— Efeito feérico. — Resmunguei chutando uma pedrinha. — Será que tenho esse efeito também? — Após me perguntar, rio. — Céus, o quê estou pensando? É claro que não. — Não que me sinta inferior, mas por não me socializar e por ser pouco conhecida passo despercebida por todos.

— Aí está você! — Me viro e vejo uma figura alta andando rápido em minha direção, pela voz reconheci Tarquin. — Por onde andou? Estava te procurando.

— Estava na varanda. A festa está tão chata.

— Era para Cresseida te fazer companhia enquanto eu conversava com outros Grão-Senhores. — Respirou fundo. Por mais que Tarquin não seja o tipo de irmão grudento e super protetor, ele não deixa de demostrar preocupação comigo. Ele sempre quer garantir que eu não fique sozinha.

— Está tudo bem. — Coloquei minha mão em seu ombro. — E não culpo Cresseida, ela precisa se divertir e não ficar de olho em mim a noite toda. — Ele assentiu.

— Ficou sozinha esse tempo todo?

— Bem... — Comecei a responder pensando uma maneira de contar que estava na companhia de Lucien, quando Tarquin olhou pra trás de mim.

— Já vi que não. — Olhei para trás, Lucien se aproximava de nós. Tarquin abriu um sorriso torto seguido de uma risada. Me perguntei mentalmente como o povo de nossa Corte o levava a sério.

— Não é o que está pensando.

— Você não sabe o que estou pensando.

— Vindo de você, sim.

— Sinto muito dizer isso, mas atravessar escudos mentais não é uma das suas habilidades. — Retrucou me deixando sem palavras. — Lucien, lady Ianthe está à sua procura.

— Para quê? — Sua voz saiu estranha, não parecia estar com o mesmo humor de antes.

— Algo envolvendo uma documentação de algum lugar, ou alguma coisa que Tamlin recebeu.

— Explique direito, Grão-Senhor. — Reclamei e levei de Tarquin um tapinha no alto da cabeça.

— Não preciso dar mais detalhes perto de você. — Falou e depois retornou para dentro.

— Tem um bom relacionamento com seu irmão, pelo que vejo. — Passei minha mão no local do tapa.

— É. Ele age totalmente diferente comigo e Cresseida comparado a como trata os outros. — Me virei para Lucien. — Tem irmãos?

— Sim. — A resposta curta e o desconforto em sua voz me fez perceber que eu não deveria perguntar mais nada.

[...]

Do lado de dentro a festa continuava. Dessa vez permaneci ao lado de Tarquin, cumprimentando as outras autoridades, dando sorrisos simpáticos, gastando toda minha bateria social.

Lucien até então tinha desaparecido.

Desaparecido com Ianthe.

Eles convivem juntos por causa de seus status na Corte Primaveril, então é normal que fiquem juntos grande parte do tempo. Ao mesmo tempo que sinto que há algo rolando entre esses dois, algo me diz que Lucien não gosta muito dela.

Por qual motivo um homem como ele rejeitaria uma mulher como Ianthe? Ianthe é inteligente, bela de rosto e corpo, e bem, Lucien não fica atrás dela quanto a essas características. Eles... eles até que combinam de certa forma.

A conversa dos homens ao meu lado não me divertia nem um pouco, eu não prestava muita atenção, e mesmo que prestasse assuntos como a devastação de Prythian não era algo que eu conseguiria entender. Fiquei muito tempo afastada para ficar por fora de muitos assuntos.

Senti ondas de calor me atingindo, porém não chegavam a queimar minha pele, olhei para Tarquin mas ele não demonstrou nenhuma reação, provavelmente somente eu que a senti. Fui virando a cabeça lentamente ao redor, buscando com o olhar uma resposta para aquilo que mais parecia um chamado discreto.

As conversas e a música não me deixavam concentrar no "sinal", foi então que vermelho e dourado fisgaram minha atenção, seguido de um longo rastro azul e loiro.

— Lucien? — Murmurei, e como se tivesse me ouvido mesmo com a distância ele me encarou.

Não sei como foi possível, mas em seu olhar eu entendi o que ele queria. As pequenas ondas de calor era um alerta que ele me enviava, mas por quê? O quê ele queria que eu vesse?

Lucien quase desaparecia no corredor quando resolvi olhar para frente dele, a sacerdotisa dava passos rápidos conduzindo Lucien pelo caminho. Imaginei que eles já tinham resolvido o que precisava, para estarem indo para um local afastado... bem, não quero imaginar que tipo de coisa iriam fazer.

Um nó se formou em minha garganta, ele a seguia mas não parecia muito contente. Porém, se esse descontentamento estiver sendo apenas paranóia minha por quê ele se deu o trabalho de chamar minha atenção? Quem sabe ele estivesse somente querendo que eu vesse... Não, ele não faria isso, pelo menos não para me fazer pensar sobre suas intimidades com alguma mulher, ele podia ser insuportável, mas não era nojento a esse ponto.

Dei um passo para trás e como era de se esperar Tarquin percebeu.

— Onde vai?

— Ao banheiro. — Menti.

Fui me afastando das pessoas, quando tive a certeza de que não havia ninguém prestando atenção em mim segui por onde Lucien tinha ido. Passei por criadas, cozinheiros, a propriedade de Tamlin era enorme, mas graças ao sinal de calor que recebia subi uma escadaria e logo percebi que ali era onde ficavam os quartos. Estremeci e senti meu rosto esquentar. Eu precisava voltar, preferia viver sem saber o que eles iriam fazer num quarto pelo bem de minha sanidade.

Dei um gritinho baixo quando o piso do corredor começou a esquentar, atravessando o material de meus sapatos e queimando meus pés.

— Droga Lucien. — Se eu pudesse colocaria meus pezinhos dentro de uma bacia de água, mas deixarei para depois, seja o que for que Lucien queira comigo eu iria descontar na mesma moeda.

Talvez enfiando sua cabeça no chafariz, ou criando uma nuvem de chuva especialmente para ele e deixar a semana inteira sobre sua cabeça chovendo sem pausa.

Rio sozinha com a idéia e voltei a andar, evitando gemer pelas queimaduras nos pés.

DE FOGO E ÁGUAOnde histórias criam vida. Descubra agora