"Até onde conseguimos discernir, o único
propósito da existência humana é acender
uma luz na escuridão da mera existência."
- Carl Jung.┌─── ∘°❉°∘ ───┐
O quarto estava escuro, era somente iluminado pela fraca luz que provinha da lua. Com a janela aberta, podia ver-se um rapaz apoiado em sua beira, observando a paisagem que dava para a rua, não muito movimentada, graças ao horário.
O rapaz estava com um cigarro na boca, e logo deu uma tragada nele, assoprando a fumaça. A única coisa que era capaz de ser ouvida eram os choros de um bebê; seu sobrinho, para ser mais específico.
A criança havia nascido faz pouco tempo, filho de sua irmã mais velha, Walburga, e seu primo de segundo grau, Órion. Sinceramente, a tradição de famílias puro-sangue sobre se casar com primos era nojenta, pelo menos era o que Alphard pensava.
Achava que nunca iria casar com ninguém, estava bem sozinho. Ficava com alguns aqui e acolá, mas nunca nada muito sério. Diferente de sua família, ele não estava nem um pouco interessado a passar para frente os genes horríveis dos Black. Essa família era desprezível demais para uma pobre criança fazer parte, sentia dó de seu sobrinho por isso. Tão jovem e já carrega um legado horrível.
Alphard deu uma última tragada em seu cigarro, o jogou pela janela e sentou-se a beira da cama. Estava pensativo, não conseguia dormir com o turbilhão que estava na sua cabeça. Refletiu muito sobre propósitos e legados desde que seu sobrinho havia nascido. Sentia mesmo por ele, não queria imaginar que aquele bebêzinho gorducho e inocente um dia poderia vir a se tornar alguém como os pais. Aquilo era mesmo uma maldição.
Estava no sangue. Desde crianças, viramos o que somos por convivência. Quanto mais vivemos com uma pessoa, mais nossa personalidade se molda para ser igual a dela.
Quando chegamos na idade escolar, não é muito diferente. Os colegas e amigos influenciam no que vamos ser, mas a primeira influência vem de casa.Mesmo que Alphard odiasse admitir, ele tinha muito de seu pai nele. Ambos eram teimosos, não aceitavam as coisas de outro jeito sem ser o deles e perdiam a paciência muito rápido. Ele via isso em Walburga também, uma cópia de sua mãe.
Sirius provavelmente cresceria igual, imaginava quem ele iria copiar. Os traços cínicos de sua mãe, ou o jeito idiota de seu pai? Teria que esperar para descobrir.
Cansado de devagar nos seus pensamentos, o rapaz levantou e foi até o guarda roupa. Agarrou a primeira jaqueta que viu e se retirou do quarto, indo em direção a entrada.
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As ruas de Londres se encontravam vazias. Ora, nenhum mistério, o horário beirava meia-noite, todos já deviam estar aconchegados em suas camas, dormindo plenamente e esperando amanhecer um novo dia.
Alphard, após a desistência em dormir, decidiu vagar pelos cantos, como quando fazia nos momentos de tédio, ou quando queria fugir das broncas de sua mãe. A mulher agora estava velha e caduca, e mesmo assim ele não escapava de broncas - o que mudava, era que agora Walburga que brigava com ele -.
Sua irmã era mesmo irritante, sempre foi e sempre será. "Mantenha uma boa imagem, não estrague nossa reputação", essa era certamente a coisa que Alphard mais ouvia em sua vida. Blacks e seu narcisismo.
Enquanto vagava por ai, encontrou um barzinho que costumava frequentar na juventude - ah, bom, não que ele fosse velho agora, mas depois dos 30, você não se sente mais novo em folha -. Decidiu entrar, ver como o lugar andava.
Era um bar trouxa, que parece que tem o mesmo dono desde o tempo de Merlin. Alphard não sabe como aquele velho ainda trabalha, está mais podre que a bengala de seu pai.
- Boa noite, meu companheiro. O que vai querer? - perguntou o garçom do local, se dirigindo a Alphard.
- Pode ser só uma cerveja, mesmo. Obrigado. - o rapaz não tinha vindo ai com a intenção de beber, mas aproveitou a pergunta para tomar uma garrafa ou duas de cerveja. Nada mais do que isso.
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- Você não pode simplesmente sair de madrugada e voltar aqui assim, seu imprestável! - ao invés do choro de bebê que se ouvia na noite passada, agora a única coisa percebida na casa eram os gritos da mulher.
Talvez Alphard tenha exagerado um pouco na bebida, e trazido um homem para casa. Acho que os barulhos foram muito altos, por isso a tamanha indignação de sua irmã.
- Eu já sou um adulto, Walburga. Fico com quem bem quiser, quando eu quiser e aonde eu quiser. - retrucou Alphard. Sua irmã era mesmo uma idiota.
- Achei que papai tinha dado um jeito em você faz muito tempo, mas parece que você não aprende mesmo.
Quando era adolescente, seu pai havia descoberto que seu filho tinha ficado com um corvino qualquer em uma festa de Hogwarts. Com o mesmo discurso de "linhagem" de sempre, o homem ficou tão irritado, que este foi o dia em que Alphard mais recebeu maldições em sua vida inteira. Os Black não partiam para o ataque físico, de acordo com sua mãe "Para que encostar minha mão em você se posso usar magia?". Walburga, pelo visto, pensava o mesmo.
- Se você não se endireitar, farei o favor de que as portas dessa casa nunca mais se abram para você. - ameaçou a mulher, olhando diretamente nos olhos do irmão.
- Acho que é melhor eu ficar com homens, do que ser uma corna idiota que nem você, maninha. Ou você nunca percebeu que seu querido marido anda ficando com a "colega" dele? Já faz um bom tempo, acho que uns dois ou... - antes mesmo de terminar a frase, para sua surpresa, Alphard sentiu um ardor em sua bochecha. Mesmo com o discurso de que não era necessário violência física quando se tinha magia, a raiva fez com que sua irmã nem pensasse antes de proferir um tapa no rosto dele.
Mesmo que não quisesse, a reação normal do corpo contra violência é o choro. Lágrimas já eram vistas nos seus olhos, querendo escapar.
- CHEGA DISSO! VOCÊ NUNCA MAIS IRÁ PISAR NESSA CASA, OUVIU? NUNCA! - gritou Walburga, saindo da sala, furiosa. Alphard não esperava mais do que isso, quando olhou para a tapeçaria com a árvore genealógica da família e viu seu rosto queimando aos poucos, o que significava que não fazia mais parte daquela linhagem.
Nunca duvidou que isso fosse acontecer, mas ver isso com os próprios olhos ainda era um choque. Seu rosto estava molhado por conta das lágrimas, e ainda vermelho devido ao tapa. Quanto as dúvidas que tinha sobre o futuro do sobrinho, parece que elas nunca seriam respondidas. Walburga daria um jeito para que o querido filho nunca ouvisse falar do tio que teve. O tio que foi tão desonroso ao falar a verdade na cara de sua irmã, ficar com homens e não concordar com a supremacia sangue-puro que era tão querida na família, que teve de ser deserdado.
Não muito pouco tempo depois, as portas da entrada se fecharam atrás de Alphard. Lá as lembranças ficariam, não lembranças boas, mas lembranças que ele um dia já teve. Com o som da chave fazendo seu trabalho, trancando a grande porta, o rapaz sabia que essa porta nunca mais abriria para ele.
Sem nem olhar para trás, Alphard Pollux Black deixa o que um dia foi seu lar.
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1960 - The First Fall
FanfictionPrimeiro livro da saga "The New Truth"; Os personagens não são de minha autoria, eu apenas estou fazendo uma reescritura do universo Harry Potter. "Sem nem olhar para trás, Alphard Pollux Black deixa o que um dia foi seu lar."