(Recomendo que você preste atenção na parte "I knew you'd haunt all of my 'what-ifs'").
Boa leitura!
O temporal não dava trégua, conforme ela se esforçava para acompanhar os passos do rapaz. Mirela buscava manter os passos firmes, temendo escorregar nas poças que se formavam nas ruas.
– Marcos! Espere! – implorava ela, com a voz fraca, ofegando.
Marcos deteve-se bruscamente, com as mãos enfiadas nos bolsos de seu sobretudo, e voltou-se para ela.
– O que quer que eu diga? – indagou, com rispidez.
Mirela vacilou, contraindo as sobrancelhas, ferida.
– Tudo isso por que eu me abri com você? – Ela lutava contra as lágrimas teimosas em seu rosto, que se misturavam às gotas de chuva.
– O que queria que eu fizesse? Que te correspondesse? – Ele trincou os dentes. – A gente não manda nessas coisas!
– É claro que queria! – Sentindo o nó em sua garganta sufocá-la, ela buscou fôlego. – Poxa, eu gosto de você já faz um tempo. Mas mais do que isso, senti que precisava falar, ou iria explodir!
Ela deteve seu olhar no rosto impassível do rapaz.
– Eu vou embora para longe, Marcos – prosseguiu ela –, e precisava contar de alguma forma. Não poderia partir, deixando este assunto em aberto.
– E agora está resolvido, não é mesmo? Você tem a minha resposta. – Ele deu meia-volta. – Não pensei que você pudesse estragar tudo na sua última noite aqui. Se soubesse, não teria vindo.
– Marcos. – O apelo em sua voz era tão urgente e carregado de angústia, que fez com que ele a encarasse. – Pelo visto, nossa amizade está se acabando, definhando de vez... E pensar que o motivo é... – Sua voz falhou e seus lábios tremeram, enquanto sentia seu coração se partindo.
– Você sabe que sempre tive o maior carinho por você, Mirela, mas não dessa forma...
– Eu sei. – Ela baixou a cabeça, derrotada. Seu rosto contraiu-se em uma expressão de dor, enquanto ela se perguntava como ele conseguia manter-se tão firme, tão frio ante a situação. – Será que posso pedir um último favor?
Marcos soltou um suspiro.
– O que é?
– Você pode me beijar?
– O quê? – exclamou incrédulo. – Tipo... Beijar?
– Por favor. – Ela criou coragem para encará-lo. – É tudo que te peço. Eu vou embora amanhã, e talvez nunca voltemos a nos ver.
Marcos deu um passo em sua direção. Mirela retirou algumas balinhas da bolsa e as estendeu para ele.
– Só pode estar de brincadeira! – protestou, conforme seu olhar dúbio se alternava entre a palma estendida de Mirela e o rosto dela, que continha uma determinação inflexível.
– Você deve ter escovado os dentes em casa, mas já faz horas que saiu de lá. – Ela levou a mão para mais perto dele.
Marcos, então, pegou uma bala e, segurando o pulso de Mirela, puxou-a até a fachada coberta de uma loja, os sapatos de ambos fazendo barulho e esguichando água.
A rua não estava muito movimentada. Os poucos carros que passavam, iam a uma velocidade reduzida. Mirela puxou as mechas que grudavam em seu rosto e retirou o excesso de água de seu cabelo, com o olhar compenetrado no perfil de Marcos. Ela o percebia relutante e ansioso por fugir dali. Mirela o puxou pelo braço antes que pudesse fazê-lo.
Marcos se virou para ela com uma expressão indecifrável. Mirela aproximou-se, tentando ler seus olhos, à espera de que ele tomasse uma atitude. Marcos olhou ao redor, por toda a extensão da rua, os comércios e casas ali perto, tranquilizando-se com a ideia de que seria difícil alguém reconhecê-los naquele horário e com toda a chuva torrencial, que enevoava os vidros dos carros. A fachada da loja não fornecia nenhuma iluminação, de modo que apenas a luz de um poste lhes permitia enxergar, e não havia pedestres ali, além dos dois.
Marcos inclinou-se na direção de Mirela e deu-lhe um selinho. Foi tão rápido quanto um piscar de olhos. Não satisfeita, a moça o agarrou pelo pescoço e forçou-o para junto de seus lábios, demandando dele um beijo intenso. Mirela fechou os olhos, sentindo os pelos de seus braços eriçarem. Calafrios subiam pela sua espinha naquele momento. Era um beijo apaixonado e faminto... Do qual Mirela despertou ao ser envolvida pelos braços tensos do rapaz.
Mirela tocou os ombros de Marcos, afastando-o com gentileza. Arfando, Marcos esquadrinhou seu rosto, dividido entre a surpresa e a preocupação. Era uma via de mão única, Mirela se deu conta: não era recíproco, e nunca seria. A realidade a atingiu em cheio, como um golpe. Lágrimas voltaram a seus olhos, enquanto Mirela tentava retomar o ar. Ela prendeu o cabelo atrás da orelha, sem graça.
– Obrigada – arquejou, num sussurro. Ela piscou com força, e as gotas amargas escorreram dolorosas pelo seu rosto. – Foi o meu primeiro beijo. – Embora Mirela as secasse, mais lágrimas brotavam.
– Esse foi o seu primeiro beijo? – balbuciou, desconcertado.
– Desculpe se eu extrapolei. Não poderia ir embora sem saber como era. E não vou mais incomodá-lo com isso. – Percebendo que iria irromper em um choro profundo, Mirela apressou-se, beijando a bochecha do rapaz e tocando seu rosto por fim; seus olhos, apesar de conterem mágoa, irradiavam candura. – Toda a felicidade a você, Marcos!
E ela partiu, aventurando-se pela noite chuvosa. Marcos ficou paralisado ali, atônito, repassando na mente os últimos momentos, onde tudo que conhecia fez-se estranho, levando-o a diversos questionamentos, enquanto observava Mirela atravessar a rua. Ela chacoalhava a cabeça dolorosamente, soluçando.
Ao alcançar a calçada do outro lado, Mirela voltou-se para Marcos, seu rosto trespassado pela dor. Ela abriu um sorriso triste e ergueu a mão em um débil aceno. Antes que pudesse retirar as mãos dos bolsos para retribuir o cumprimento, Marcos observou-a ir embora, seguindo seu caminho em meio ao temporal.
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O Beijo
Short StoryMiniconto nascido do meu estado de espírito atual, acentuado pela leitura de Noites Brancas, do Fiódor Dostoiévski (que eu amei), e o álbum Folklore, da Taylor Swift.