O umidificador estava ligado e o cheiro de laranja se propagava no ar. Aquele era o meu favorito e fazia com que me sentisse bem. Em cima de minha mesa, além do umidificador em forma de gota, haviam outros itens, alguns papéis dentro de uma pasta preta, uma caixinha de som portátil, um quadro branco com uma foto antiga de meu pai e um cinzeiro sujo. Hoje era mais um dia daqueles, no qual a minha vontade de encarar o mundo real havia sido reduzida para zero, mas logo a fresta da porta se abre e por ela duas orelhas peludas aparecem.
Inevitavelmente sorrio, talvez a minha vontade agora passasse de zero para cinquenta. Era Johnson, meu fiel companheiro. Nessa casa moramos apenas nós dois, ele faz com que eu não me sinta tão sozinha, porque de fato, não estou. Ele me protege, e cuida de mim, mesmo não sabendo dizer uma palavra sequer, apenas me olhando com seus olhos grandes e escuros. Acaricio suas orelhas e levanto, já está na hora de tomar meu café da manhã.
Preparo um ovo mexido, mas ainda estou com fome, então como mais uma banana. Sem esquecer do meu companheiro, alcanço em cima do armário de madeira um pote com biscoitos para cachorros. Ofereço um, e ele aceita.
Olho no relógio e ainda tenho mais alguns minutos para me arrumar antes de pegar o trem para o trabalho. Em frente ao espelho do meu quarto, passo um rímel e dou uma leve rosada em minhas bochechas e boca. Abro o guarda roupa e escolho um calça marrom de alfaiataria, uma camiseta branca e um salto baixo preto. Me sinto bonita e confortável, mas antes de partir ainda borrifo meu perfume favorito com notas de baunilha.
O caminho até a estação de trem é breve e sempre o mesmo, tenho que andar somente três quadras. Na primeira quadra existe uma farmácia antiga, cujo dono Sr. Caetano é muito querido e simpático, ele tem um bigode grosso e grisalho bem marcante e todas as manhãs faz questão de me cumprimentar e saber como tenho passado. Mais à frente, no último bloco tem um prédio que é a sede de uma empresa do ramo da moda, esse é o meu ponto favorito do dia. Consigo ter a oportunidade de vislumbrar mulheres que fazem com que eu acredite que é possível, que me inspiram. Um dia será, penso descendo as escadas e encarando minha realidade atual.
O meu trabalho é aquele que paga as minhas contas, mas não o que me preenche profissionalmente, tem dias que sinto que é tolerável, mas tem outros dias que sinto que a qualquer momento vou desmoronar. Talvez esse desabafo não se encaixe apenas no contexto trabalho. O ciclo se repete, e me vejo trabalhando constantemente com a minha ansiedade. Cumpro meu horário de almoço, mas sem demora minha cabeça me tortura por mais algumas horas e finalmente o horário marca o meu horário favorito, a hora de voltar para a minha casa.
Dentro do trem já com meus fones de ouvidos no máximo, a exaustão me encontra e algumas lágrimas escorrem pelos meus olhos em conjunto com a música mais triste do ano. Essa é uma rotina que venho vivenciando há dias e fingindo que está tudo conforme. No caminho de volta, ao me deparar com o prédio novamente choro, porque não tem nada conforme. Acabo sentando em um dos degraus e acendo um cigarro. Que se dane, sei que talvez essa não seja a imagem que eu queira passar para eles e que talvez não os agrade, mas quem se importa afinal.
Diante desse momento pessoal, sinto uma presença, e junto com o vento, um perfume amadeirado. Passo uma das mãos nos olhos, afim de enxugar as lágrimas rapidamente. Sinto uma mão quente encosta em meu ombro esquerdo, o que me faz subitamente olhar para cima. Era um rapaz alto, que gesticulava, porém não conseguia entender ainda com os fones no máximo, até pausar e finalmente ouvir o que estava dizendo.
- Com licença, está tudo bem com você? – me perguntou sentando ao meu lado – Se importa?
Apenas forço um sorriso enquanto retiro os fones, me sinto um pouco desconfortável com aquele estranho ao meu lado, atraentemente estranho, mas evito encarar, e continuo olhando para frente, assim como ele também o faz.
- Quer um? – pergunto empurrando um cigarro com o dedo ainda dentro da caixa em sua direção
- Isso ainda vai te matar – responde dispensando – você não deveria descontar as tuas tristezas nisso
- E quem é o psicólogo? – retruco rindo, mas já apagando o cigarro no chão
- Eu sou Harry, já estava de partida, mas quando te vi solitária acabando com os seus pulmões, tive que exercer o meu papel de cidadão do bem – seu tom brincalhão era cativante – quero dizer, tudo vai ficar bem.
- Você trabalha aqui? – Me endireito, pois esse era o momento no qual eu havia acabado com todas as minhas chances de pisar naquele lugar um dia – Eu sou Cassandra.
- Trabalho – Diz olhando para seu relógio de pulso – eu preciso ir, tenho um compromisso agora, mas espero que você fique bem Cassandra, pense no que te falei, tudo passa.
Aceno com a mão enquanto o vejo levantar e partir. Consigo analisa-lo sem pudor agora, seus cabelos são castanhos e volumosos. Ele estava usando uma roupa casual, calça preta e camiseta branca, mas o que chamava mais atenção era seu colar de pérolas. Não era por acaso que trabalhava com moda, ele tinha estilo.
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Cassandra
RomanceEssa é a história de Cassandra, uma garota com uma vida mediana, insatisfeita com a sua realidade atual, mas que sonha em trabalhar no mundo da moda. Ela eventualmente conhece Harry, um rapaz gentil que irá mudar para melhor toda a sua perspectiva d...