Capítulo 11

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Felizmente a fila não estava longa, mas enquanto esperavam Geraldo conferiu seu celular e viu que havia alguns áudios no Whatsapp enviados por seus filhos, e ao escutá-los descobriu que uma colega de faculdade de Carmen pediu que ela fosse para São Paulo para ajudar a concluir um trabalho de campo, e Estevão, que queria reencontrar a namorada, aproveitou para ir junto. Como não conseguiram contatá-lo, acabaram arranjando um táxi.

- Droga. – Disse enquanto recolocava o aparelho no bolso.

- O que foi? – Perguntou o jornalista.

- A Carmen e o Estevão tentaram me contatar enquanto eu estava cochilando, simplesmente apareceu um trabalho de campo da faculdade que ela precisa fazer lá em São Paulo, e ele aproveitou pra encontrar a namorada. Como não respondi as chamadas, eles fretaram um táxi. Agora estamos com todos esses peixes sozinhos naquela casa! – Falou com certa irritação, não queria que ele pensasse que estava forçando a barra.

- Calma, Geraldo, é só prepararmos o suficiente para nós dois e congelarmos os demais. Qualquer coisa, você leva o resto pra São Paulo depois, nesse isopor. – Disse para tranquilizá-lo.

- Você não se incomoda em dividir a casa comigo? – Perguntou quase sorrindo.

- Por que não? Fomos colegas de apartamento durante anos, não foi? Nós somos adultos, podemos lidar com isso. – Disse um pouco para ele um pouco para si mesmo, aquele dia foi repleto de instantes que ao mesmo tempo que evocavam épocas mais felizes também tinham algo de diferente, e isso o deixava desconfiado. Mas diante da gentileza e da generosidade tão características do companheiro, não queria que ele se aborrecesse.

- Ótimo. Vamos preparar esses peixes e nos divertir, eles é que não sabe o que perderam.


Com os peixes prontos, voltaram para casa e foram preparar o jantar. Geraldo encarregou-se do peixe, bem como de gelar um vinho branco, enquanto Hélio preparou um risoto de limão para acompanhar, como fizeram em outras pescarias no passado. Trabalhando lado a lado na cozinha, sem perceber, estavam reconstruindo aos poucos aquela intimidade que fora tão preciosa para eles, antes que o medo e as cobranças alheias a interrompessem.

Quando tudo foi concluído, Geraldo ligou as luzes da sala, acendeu a lareira, aproveitando que estava frio, e ligou o som ambiente num canal de jazz. Depois, arrumou a mesa, colocando a comida, os pratos e os talheres, além de encher as taças de vinho, e não resistiu a fazer um brinde.

- A você, por ter me permitido recuperar meu nome e minha dignidade. – e aproximou a sua da outra taça.

- A você, por me acolher com tanta generosidade em sua casa. - respondeu Hélio, cada vez mais suscetível ao charme do outro.

Comeram com um observando o que o outro fazia, e às vezes sendo impossível resistir que esses olhares se cruzassem. Tentando evitar que fizesse besteira, quando terminaram o treinador pegou os pratos e levou-os para a cozinha, sob os protestos do jornalista, que se ofereceu para lavá-los.

- Deixe isso pra lá, vamos ouvir música na sala um pouco. Presumo que você continua gostando de jazz, mas se quiser posso botar em outro canal, também tem música italiana, francesa...

- Jazz já está bom, deixe aí mesmo.

Estavam na sala há uns 10 minutos, meio tímidos para iniciarem uma conversa, quando os dois ouviram os primeiros versos da gravação de Sinatra de "Someone to watch over me":

Existe um alguém que anseio ver

Eu sei que ele se tornará

Alguém que tome conta de mim...

Jogadas e equívocosOnde histórias criam vida. Descubra agora