PARTE II | CAPÍTULO - 13

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TEMPORADA DE CAÇA
- Parte II -

"A caça pode ferir
mortalmente o caçador"
- Clarice Lispector -

A água fria logo começara à escorrer por todo meu corpo, senti os poros da minha pele se abrirem e o som das vozes lá fora já nao existiam.
Olhei para os meus pés e vi a sujeira indo embora pelo ralo, eu tinha tradizo quase todo um ecossistema na minha pele e agora eu iria me despedir dele. Também conseguir achar um graveto minúsculo preso no meu cabelo, nada que não pudesse ser resolvido com os produtos que eu tinha a minha disposição.

Tudo estava calmo a minha volta e eu gostaria de ficar aqui por muito mais tempo, porém a fome já estava me jogando contra a parede. Eu não tinha pedido por aquilo, mas minha mente passou a recordar vários momentos da minha vida envolvendo água. O dia em que o papai havia me ensinado a nadar, a vez em que nós quatro fomos tomar banho de chuva juntos, também vieram lembras do acidente no subsolo do Shopping e até mesmo lembranças que estavam tão misturadas que eu não sabia dizer se eram boas ou más.

Desliguei o chuveiro, atravessei até o outro lado, peguei a toalha e enxuguei todo meu corpo. As vozes voltaram a ser captadas pelos meus ouvidos e aquele som de pessoas sorrindo e conversando trouxe uma certa paz para mim. O banho não havia levado embora só a minha sujeira acumulada desde o shopping, mas também tinha levado sentimentos que estavam me fazendo desconfiar de todos.

- Caramba, olha só onde eu tô, encontrei pessoas que me ajudaram, a mamãe tá bem agora e vamos ficar seguros por mais tempo - Pensei pausadamente, enxuguei os meus cabelos e coloquei a toalha temporariamente numa na prateleira do meio - O papai ficaria orgulhoso de mim.

Todas as roupas ali disponíveis pareciam seguirem padrões, havia poucas cores disponíveis, mas tudo estava limpo. Olhei com calma e peguei um dos sacos plásticos com a etiqueta M, puxei o lacre e retirei as peças que estavam lá dentro. Vesti uma cueca branca de um material bem vagabundo, a calça jeans foi a próxima peça e logo em seguida coloquei a camiseta cinza, era de um material semelhante a algodão e deduzi que deviam ser artesanais.

Peguei minha roupa suja e coloquei no saco, pendurei a toalha num pequeno cabide ao lado do nível mais alto da prateleira. Dei uma rápida olhada num espelho horizontal que ficava próximo aos cestos e notei que ainda mantinha um semblante cansado, ajeitei meu cabelo e notei que alguns poucos pelos continuavam a crescer lentamente no meu queixo. Eu estava virando homem e pro papai isso significaria muito, para mamãe eu não sei o que ela pensaria, não falávamos muito sobre isso e para a Victoria isso indicava que eu já devia estar com dois filhos ou mais.

Alguns segundos depois e eu já estava fora novamente, decidi então seguir o barulho das vozes e passei por um corredor largo, a poucos metros de onde eu estava, já era possível vê o refeitório. Estava cheio, homens, mulheres e crianças se distribuíam ao redor das mesas retangulares, haviam várias conversas e risadas se entrelaçando no cenário, todos pareciam felizes e despreocupados quanto ao que estava acontecendo lá fora.

- Ei, para onde você pensa que vai com isso ? - Um garota declarou me pegando desprevenido.

- Com isso, o que ???? - Perguntei sem entender. A garota parecia ter a minha idade, era magra, várias sardas nas bochechas e usava duas tranças laterais com seu cabelo preto.

- Para onde vai com essa trouxa - ela completou virando um pouco a cabeça como se quisesse vê mais o que eu segurava.

- Bem, isso é.... são minhas roupas sujas .

- Sujas e rasgadas, você é novo aqui não é ? - Ela falou sorrindo, deixando seus dentes levemente amarelados ficaram bem expostos.

- Cheguei faz pouco tempo, eu estava tomando banh...

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