Adalind Fischer

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Em carne e osso.

O amor que eu sinto pelo meu trabalho é questionável, considerando o quanto ele pode ser estressante. Depois de muito refletir, eu cheguei à conclusão de que a culpa não é totalmente das pessoas que trabalham no mesmo ambiente que eu, embora eu tenha acreditado nisso por um longo tempo. Quer dizer, pelo menos não totalmente.

Acontece que há alguns casos isolados onde eu me vejo na obrigação de culpar alguém, a fim de não frustrar minha versão adolescente, que acreditou firmemente na ideia de que tudo seria legal como nos filmes. Tão ingênua.

Mal sabia ela que, em alguns momentos, eu estaria me questionando se todo sacrifício feito no passado realmente valeu à pena. As noites mal dormidas, os dias em que o meu corpo sucumbiu ao cansaço, obrigando-me a cessar os estudos, e até mesmo minha vida amorosa, visto que sequer me sobrava tempo para tentar me relacionar.

Esses e outros diversos sacrifícios por um emprego que só consigo suportar na base da cafeína. Não é uma profissão horrível nem nada. O sonho de muitos, inclusive. Mas pensa numa profissão estressante.

Preciso agradecer, porém, por conseguir tudo que almejo. É graças ao bendito emprego que posso alimentar meu vício em sapatos e ampliar minha coleção. Pensando bem, é um trabalho incrível.

Ah, sou advogada, caso esteja se perguntando.

Contar como terminei cursando direito e minha triste trajetória de vida deixaria tudo muito dramático, e não é essa a intenção aqui. Portanto, tudo que precisa saber, é que cresci em um lar não muito agradável, assim por dizer. Mas isso é passado.

Atualmente, eu sou grata por tudo que conquistei, embora pareça o completo oposto — devido às minhas constantes e muitas reclamações. Isso é apenas um pequeno e quase inexistente detalhe.

E foi justamente por causa de um detalhe que eu saí da audiência soltando fumaça pelas orelhas. Não é possível que meu cliente não tenha gravado o detalhe mais simples e importante do dia: não falar merda. Ele só precisava manter a boca fechada. Qual a dificuldade?

É bem possível que ele tenha acordado e decidido que o dia estava lindo para dizer diante de todos a frase que me assombraria pelos próximos dias.

Minha. Advogada. Mandou. Eu. Dizer.

Tais palavras jamais sairiam da minha cabeça.
Tá, eu realmente mandei. Mas ele não tinha nada que compartilhar isso com nossos amigos de audiência.

A frustração que me foi causada fez com que eu corresse até a cafeteria mais próxima. Precisava de cafeína. Era o único modo de aplacar a minha raiva.

Sorrio automaticamente ao me aproximar do lugar que me traz uma paz inexplicável. No entando, meu sorriso diminui gradualmente ao encontrar com Steven, responsável por quase estragar o meu dia.

Antes que tenha tempo de dizer algo, eu ergo minha mão para que ele nem se dê o trabalho. Sua língua tem um potencial enorme para ser sua a maior inimiga. É bom que fique guardada.

— Um café, por favor. Sem açúcar. — Peço diretamente no balcão, dispensando a ideia de esperar na mesa como qualquer pessoa faria.

John, o atendente, assente exageradamente e corre para preparar o pedido. Satisfeita, eu abro o segundo sorriso do dia e caminho até a mesa mais próxima.

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⏰ Última atualização: Mar 24 ⏰

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