0.8 | Carry on.

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2007

Gabe já havia perdido as contas de quantas vezes suas medicações haviam mudado, os dias se acumularam em uma grande névoa de confusão.

Nos últimos meses, ela deixou de falar, ficava catatônica a maior parte do tempo, e como estava em uma cidade diferente de sua família, ninguém nunca ia a ver, a não ser aquele cirurgião residente. Mesmo que a menina estivesse em silêncio, seus olhos brilhavam quando estava na companhia dele, Lecter estava encantado pelos desenhos que ela fazia e insistia que era a forma a qual ela achou para demonstrar tudo que estava sentindo.

Foram poucas as vezes que Hannibal viu algum familiar ir a visitar, mas em um dia, notou que a irmã mais velha estava no horário de visita, o que era estranho, já que nunca havia visto ninguém ali.

Poucos minutos depois, a loira saiu com um sorriso no rosto, Lecter sentiu um alívio, o que durou poucos segundos, já que logo viu uma equipe médica correndo para o quarto em que Gabe ficava.

A preocupação o afetou de uma forma, que quando notou já estava correndo junto a equipe.

— O que houve?— Lecter indagou ao ver médicos segurando a garota.

— Ela está em crise.— Respondeu a médica que preparava o tranquilizante, mas Lecter a impediu de aplicar.

— Ela está com medo, se afastem, eu resolvo.— Ao soltarem a menina, Gabe correu para o abraço de Hannibal, sua respiração estava completamente descompensada e suas mãos trêmulas.

— E você é quem?— Um dos enfermeiros perguntou ao residente.

— Um amigo.— Ele iniciou um carinho nos cabelos dourados da garota, os fios estavam emaranhados.

Demorou para que eles os deixassem sozinhos, e quando os deixaram, Hannibal a colocou sentada em sua cama, o olhar dela carregava mágoa, raiva e uma mistura de sentimentos.

— Acha que um docinho melhoraria?— Hannibal indagou mexendo na sua mochila, Gabe abriu um leve sorriso, essa era a forma dela dizer que aquilo a ajudaria muito.— Gosta de cupcake?

— C-cup-cake....— Com muito esforço ela falou, o que assustou Lecter, afinal a garota estava há meses sem emitir uma sequer palavra e segundo os psiquiatras haviam poucas possibilidades de voltar a se comunicar com palavras.

— Você falou?— Ele indagou e a mesma confirmou com a cabeça.

— Cupcake.— Ela falou novamente e então Hannibal a abraçou.

— Estou orgulhoso de você cupcake.— E assim ele a chamou pelo apelido que perduraria por anos.

•••

Conforme os dias foram passando, Gabe se comunicava cada vez mais, mas todas as vezes que Lecter indagava sobre sua irmã, ela apenas fechava a cara e não falava mais nada.

Ao prestar atenção nos desenhos que a garota continuava fazendo, ele notou que algo havia acontecido, Gabe guardava muito rancor de sua irmã mais velha.

— Hanni, quer mesmo saber o que a Tasha fez?— Gabe indagou largando seu lápis, era comum Lecter a visitar apenas para desfrutar da companhia da mesma.

— Quero escutar o que quiser me contar.— Ele apenas abaixou seu livro e olhou nos olhos da mesma.

— Minha família descobriu sobre tudo, a Tasha está para casa, por isso não me deixaram voltar para casa, minha irmã quer a atenção toda para ela, voltar para lá nesse momento seria roubar a cena dela.— Gabe apenas deixou sua voz pesar.

— E o que sua família acha disso?— Hannibal se ajeitou na cadeira, e prestou atenção em cada movimento dela.

— Minha mãe não contou para ninguém, então vou ficar por aqui mais um tempinho.— Ela disse em um sorriso triste, mesmo que a garota fosse acostumada a ficar trancada, costumava ter a companhia de seu irmão...

Mais uma coisa para a lista, Tasha havia tirado muito de Gabe, mas o contato com seu irmão, era o que mais doía, Gabriel parecia o único que a entendia.

— Já pensou em ficar por aqui?— Hannibal indagou e a viu dar de ombros, ela estava confusa.

— Eu não conheço nada daqui, o pouco que conheci foi com a minha tia, mas estou há um bom tempo trancada nesse quarto dúvido que eu me lembre de algo...— Sua frustração estava no seu tom de voz, pela primeira vez Lecter viu a verdadeira face dela.

— Se quiser eu posso te ajudar, eu acabei criando laços com você, não acho justo te deixar trancada em um hospital psiquiátrico.— Lecter levantou-se e foi até a garota a olhando diretamente nos olhos.— Aqui não é seu lugar.

— E como tem tanta certeza disso?— Ela deu um sorriso largo e ele retribuiu.

— Dia 18 de setembro, às 21:49 da noite, te diz algo?— Ele viu os olhos dela se arregalaram, o medo havia tomado conta daquele doce olhar.— Fique calma, não vou contar para ninguém.— O mesmo aproximou-se dela e beijou sua testa.

— E ainda acha que meu lugar não é aqui?— Gabe indagou com a voz trêmula e Hanni apenas riu.

— Seu lugar é me ajudando, tem um ótimo dom, não o acharam até hoje, preciso de alguém assim.

— Eu... Eu não sou uma assassina...— A mesma olhou para baixo, mesmo depois de tanto tempo, Gabe se recusava a aceitar que havia gostado daquela sensação, a sensação de estar com a vida de alguém em suas mãos, de decidir as a pessoa vive ou não.

— Não foi o que pareceu, cupcake.— Ele passou a mão nas bochechas dela, e Gabe o odiva, odiava ser completamente manipulada por um simples toque.

Ela sempre manipulava, estar do outro lado da moeda era assustador, a dava uma sensação de que não tinha controle sobre si e nem sobre seus pensamentos, que por sinal estavam completamente bagunçados, estavam fora do lugar e parecia se desorganizar cada vez mais.

— Me tira daqui.— Foi a única coisa que ela sussurrou, seus olhos fecharam e então Hannibal sentiu como se os lábios da garota puxassem os seus.

Aquele beijo, foi completamente estranho para os dois, era como se algo tivesse mudado, mas nenhum estava acostumado com sentimentos tão bons, apenas preferiram ignorar. Foi um processo complicado a tirar de lá, mas Hannibal conseguiu, semanas depois, Gabe estava aprendendo muito com seu novo colega de apartamento.

Aquela admiração entre os dois, foi virando outra coisa, cada vez mais forte, e Gabe foi a primeira a admitir que estava o amando. Ela aprendeu a ter o requinte do paladar de Lecter, carnes e vinhos eram seus favoritos, ela estava vivendo uma vida que jamais imaginou, ainda mais depois do ocorrido em sua adolescência.

Até as almas mais perturbadas podem ser salvas pelo amor, mas no caso desses dois, só os afundou ainda mais em suas próprias loucuras pessoais.
Se tornaram cúmplices de crimes, isso fez com que se tornassem amantes, mas até que ponto eles iriam por amar um ao outro?

[Continua...]

Dead memories in my heart | Hannibal Lecter Onde histórias criam vida. Descubra agora