Dona Cândida, mãe de Geraldo.
No dia seguinte, após se despedir da filha, Geraldo pegou a estrada ainda cedo em direção a Ribeirão Preto, disposto a dar à mãe a chance de se explicar. Seria uma viagem longa (umas quatro horas), mas pelo menos na estrada teria bastante tempo para refletir.
À medida que o carro avançava rumo ao destino, relembrava a infância difícil, com o pai farrista e infiel, que tentava botar cabresto na família dizendo que podia tudo porque botava comida na mesa, até se engraçar com uma mocinha e ir embora da cidade, e a percepção desde cedo de que, na falta de um homem de verdade, ele é que teria de fazer esse papel, trabalhando na roça, mantendo os irmãos na linha mas tendo o cuidado de não ser distante ou ríspido com eles, e sim alguém com quem se podia contar, e arrumando um ou outro bico enquanto a mãe se desdobrava como costureira e eventual doceira. Até o momento em que se tornou jogador profissional, podendo mandar dinheiro para ajudá-la a pagar a escola dos irmãos e, depois, quando se estabilizou, deixar definitivamente de trabalhar, a casa onde ela morava, num bom bairro da cidade, fora um presente que lhe dera quando "pendurou as chuteiras", e ela já a recebeu pronta, previamente decorada por Dalva. Na época, a velha senhora ficou emocionada e disse que não precisava daquilo, mas respondeu que não era nada além de uma retribuição por tudo que fizera por ele ao longo de sua vida.
Contudo, essa mesma mulher a quem devia tanto e que durante anos foi sua prioridade, provavelmente prejudicou sua relação com o homem que amava. Será que a solidariedade por tudo que ela sofreu, bem como o respeito filial, impediram que visse dona Cãndida como realmente era? Lembrou que inclusive Hélio e ela nunca se aproximaram, e que embora não fosse grossa com ele ela não escondeu seu desconforto quando soube que estavam juntos. Bem, o fato dela ser sua mãe não a eximiria de encarar as consequências dos seus atos.
Quando chegou em frente à casa da mãe, estacionou o carro na calçada e tocou a campainha, sendo atendido por Elsa, a cuidadora que tomava conta dela.
- Bom dia, doutor Geraldo, que surpresa ver o senhor aqui. – Disse ela ao abrir o portão.
- Bom dia, Elsa. Como está a mamãe? – Perguntou enquanto entrava.
- Ela está bem. No momento está terminando de preparar o almoço.
- Mas ela não deveria se ocupar com isso, é por isso que também temos empregada! – Protestou o técnico já na sala. Porém, logo se ouviu uma voz vinda da cozinha:
- Geraldo Ramos Pellegrini, não ouse me dizer o que devo fazer ou não! Essa é minha casa, e me recuso a ser uma inválida incapaz de fazer as coisas. Simplesmente me deu vontade de cozinhar hoje e resolvi fazer aquele leitão à pururuca que você e seus irmãos sempre gostaram. – E súbito a mãe apareceu, com um avental e luvas por cima do vestido longo, além de uma touca transparente na cabeça, ao lado de Marcela, a empregada, que usava o mesmo uniforme e olhou para ele como se pedisse desculpas. Mesmo na casa dos 70 anos, reconheceu que Cândida ainda era uma mulher bonita, até a questionou uma vez porque ela nunca quis se casar de novo ou mesmo namorar, mas ela lhe disse que depois do que passou com o ex-marido estava vacinada contra relacionamentos.
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Jogadas e equívocos
RomanceHélio Laranjeiras e Geraldo Pellegrini foram grandes destaques do futebol paulista. Talentosos, esforçados e atraentes, dividiam os holofotes e sabiam combinar suas diferenças quando estavam em campo, tornando-se uma dupla de atacantes quase imbatív...