Tudo que não dissemos

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Conto para ser ouvido com a música:

Of Monsters and Men - Little Talks


Batia fervorosamente com o equipamento chamado "martelo", o qual a cinco angulares galácticos atrás – ou duas semanas para as pessoas daquele tempo – não sabia nem ao menos como segurar. Era incrível como tal atividade com aquela rústica ferramenta conseguia fazer por ele o que nada, absolutamente nada, conseguira fazer em um futuro nem um pouco próximo dali.

Cansado puxou sua pequena filha para perto de si deixando-a brincar com o martelo por um instante. Naquele pouco tempo de pausa, as memórias sem demora voltaram para lhe dar duas não contidas lágrimas que se misturaram ao suor de seu rosto. Era triste saber que sua filha nunca aprenderia da mãe o que esta o ensinara.

E era por isso que martelava. Para se livrar das lembranças de um futuro distante e dar à única coisa que restou Dela as aventuras que ele tivera, mas de um jeito especial. E foi com esse esforço que, trinta e três angulares depois e com a ajuda de seu molecularizador, a embarcação à vela foi concluída.

O vento passava por seus negros e curtos cabelos enquanto agachado ele explicava para sua filha como operar o mastro principal e coisas sobre o universo em que viveram, viviam e viveriam.

E assim os peixes os acompanharam pelas centenas de angulares que navegaram pelos belos mares...

... até resolverem atracar.

Mas ainda não era o suficiente.

Deixava agora a solda de lado por um instante e olhava para sua filha que instalava uma pequena janela lateral na fuselagem. A antes pequena criança agora o lembrava tanto Dela e das aventuras que viveram... e mesmo com as lembranças agora distantes, ele ainda vivia para esquecê-las... ou transformá-las em algo melhor.

Sem perceber sua filha se aproximou e repousou a mão em seu ombro. Com um sorriso coletivo ambos olharam para o concluído dirigível. Segurou a mão dela e por um instante uma insegurança o possuiu. Esteve e estava fazendo a coisa certa para ela? Seria isso realmente o que Ela gostaria que ele tivesse feito?

Mas nada disso importou após alçarem vôo.

Pois quando o vento bateu em seus grisalhos e longos cabelos enquanto de pé ele ensinava sua filha a controlar o queimador e coisas sobre a vida que viveram, viviam e viveriam, ele teve certeza de que fizera a coisa certa em trazê-la consigo. Riu-se por se achar sentimental demais, mas esta era uma das características que sua amada um dia gostara, e que nitidamente fora perseverada naquela que agora era seu legado.

Sobre as mais lindas paisagens e maravilhas eles passaram enquanto cada vez mais ele se orgulhava da companheira que tinha. As memórias aos poucos deixavam deser ruins. Ele estaria seguro.

E foi assim que em meio às aves e por mais centenas de angulares eles viajaram pelos mais venturosos ares...

... até que as mãos dele um dia se cansaram...

Desceram dos céus sob uma chuva de lágrimas enquanto ele dizia para ela que daria tudo certo; que ele já havia cumprido seu papel; que ela ficaria bem. Em um grande e sincero sorriso ele pediu para ela se aproximar e sussurrou seu último grande plano.

E apesar de ter seu coração partido e as lembranças – um dia tão calorosas – a assombrando, ela conseguiu concluir a nave espacial pouco depois de ele partir para sua última viagem.

Mas na verdade ela sabia que ele não a havia abandonado.

Pois ali naquele frio metal, como no quente tecido do outro e na molhada madeira do primeiro, os sonhos dele a acompanhariam aonde quer que ela fosse.

E quando o artificial vento bateu em seus ruivos e compridos cabelos enquanto sentada guiava a nave por entre as estrelas, ela se lembrava de tudo aquilo que lhe fora ensinado sobre o universo e a vida que viveram, viviam e viveriam, mas principalmente, se lembrava das coisas que nunca lhe foram ditas e que mesmo assim eram tão importantes. O legado de dois apaixonados viajantes seria eternamente preservado naquele coração que aos poucos era remendado e que viajava por entre os mundos.

E foi assim que em meio a seres inconcebíveis e por mais centenas de angulares ela viajou pelos fascinantes quasares e nébulas estelares.




E quando um dia parou de molecularizar a liga metálico-cerâmica do grande portal, chamou sua tímida filha para seu lado. Com uma mão a confortou no ombro e com a outra segurou os pequenos dedos que lhe foram estendidos. Sorrindo, partiram para uma nova aventura.

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⏰ Última atualização: May 10, 2015 ⏰

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