Agosto 2013
O dia que eu conheci os olhos vermelhos.
A música alta enche meus ouvidos e reverbera por todo o meu corpo, assim como eu sinto que o chão da casa está tremendo e a qualquer momento um dos copos de cerveja vai parar na minha roupa. A multidão está dispersa de maneira desigual, como se houvessem pedaços da casa em que não era certo estar numa festa, como a sala. Porém, o corredor longo e que liga a sala, a cozinha e os fundos da casa estava abarrotado de corpos transpirando bebida alcoólica. Até que pra uma festa só de gente do curso de publicidade e propaganda está bem cheio.
Passo espremido pelas pessoas do corredor e vou para a cozinha levando minha garrafa de vinho rosé argentino, já sentindo que não vai sobrar uma gota desse troço caro para beber– João! Você veio! - Ana, a dona da casa vem na minha direção e não parece nem um pouco alterada, a não ser pela latinha de cerveja na mão.
– Ei Ana - cumprimento e a abraço - Acho que você deveria ter mencionado que viriam mais pessoas do curso, achei que seria só o pessoal da nossa sala. Acho que trouxe pouca bebida. - aponto pra garrafa de rosé na mesa, já pela metade e cheia de marcas de dedos na garrafa.Ana ri e toma um gole de cerveja dando de ombros, me olhando como se eu tivesse brincando. Mas eu não estou, realmente achei que só a nossa sala viria. Por isso eu investi num vinho caro, queria impressionar.
– João, eu convidei a nossa sala, mas tu sabe…um chama um amigo que chama outro amigo e a namorada e a namorada chama uma amiga e outra amiga e por aí… - ela diz tudo isso olhando ao redor, como se só agora tivesse percebido o quanto de gente tem na sua casa de dois andares. Ela sorri pra mim e põe a mão no meu ombro - Acho que todos os cursos estão aqui! - arregalo os olhos pra ela e começo a rir, achando que é brincadeira, mas ainda não explorei o restante da casa, então não sei o que esperar. - Toma, começa a beber e bem vindo, calouro! - ela me dá uma lata de cerveja que estava na mesa e grita o final da frase, sem me dar tempo de responder e sai andando.
Suspiro e olho em volta, mas não reconheço ninguém aqui na cozinha, então vou andando pro quintal dos fundos e, bom, não deveria estar surpreso por ter ainda mais gente aqui. Nas espreguiçadeiras, na piscina semi nus, no gramado e deitados - lê-se jogados. Tô me sentindo numa festa de república americana, só falta os copos vermelhos.
– Só faltam os copos vermelhos, não é? - um garoto que está do meu lado pergunta, quase na mesma posição que eu e olhando ao redor com curiosidade. O sotaque é a primeira coisa que noto nele. Ele prolonga o som do "e", parecendo que está o enrolando na língua.
– E uma mesa de ping pong - completo, virando mais um gole da cerveja. Nossa, quanto tempo eu divaguei olhando pras pessoas e bebendo?
– Acho que um bom tempinho… - ele responde, mas não sabia que tinha feito a pergunta em tom alto, por isso o olho confuso e bebendo mais um pouco. Ele sorri. - Sei como é, eu também vim do interior, então isso aqui é muita novidade pra mim.
– De onde você é?
– Minas Gerais, bem interior mesmo. Araxá.Eu engasgo com o gole de cerveja e cubro a boca tentando não rir e não cuspir. O garoto olha pra mim e ri também.
– Nossa, eu achava que o nome da minha cidade era ruim, mas Araxá…- tiro sarro dele e o olho de canto pra ver se fui longe demais, mas ele apenas sorri e se vira totalmente pra mim, encostando na pilastra atrás de si.
– E qual o nome da sua cidade?
– Américo Brasiliense , em SP.
– Bom…- ele respira fundo e para pra pensar, levantando o rosto e o virando pro quintal, de forma que seu perfil fica extremamente marcado, a linha da mandíbula desenhada, o subir e o descer do peito dele… - Acho que eu venci mesmo, a minha cidade tem um nome pior.
– Hum - eu sorrio e dou de ombros - o nome da minha parece nome de time de futebol. Já a sua…
– Significa "lugar alto", o que nada tem a ver com a cidade, porque não tem morro algum. Mas tem um sítios arqueológicos interessantes … - ele conta como se não fosse nada demais, mas ao mesmo tempo achando muito interessante. Eu acho interessante porque ele acha interessante.
– Então é isso que você estuda? Arqueologia?
– Na verdade faço história, mas quero me especializar em arqueologia, sim. - ele sorri pra mim e bebe sua cerveja, ainda me olhando. - E você faz publicidade.