2 Rodrigo

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Depois de umas horas ali prostrado já o sol se começava a pôr. Ao contrário do dia do acidente, hoje o dia foi preenchido por um sol radiante e quente. Seria um dia perfeito se não tivesse acabado de enterrar a minha noiva. Sinto as mãos de Nuno sobre meus ombros.

— Vamos Rodrigo! Já começa a anoitecer.

— Como vou fazer agora, Nuno? — levanto e pergunto-lhe com a voz trêmula, encarando-o como se ele tivesse uma resposta capaz de me dar alento e acalmar a dor.

— O tempo te ajudará meu amigo, o tempo. — ele bate triste em minhas costas, seus olhos também estão vermelhos.

Baixo meu olhar mais uma vez na direção da campa de Eva e mais umas lágrimas escapam por meu rosto.

Sigo Nuno que me conduz até casa.

— Posso ficar contigo alguns dias, pedirei dispensa no hospital. — ele fala já com o carro parado em frente da minha casa.

— Não, obrigado. Eu preciso ficar sozinho, meus pais também queriam ficar e eu não aceitei. Eu ficarei bem. —respondo negando sua proposta.

— Tudo bem! Como quiseres. Sabes que podes me ligar a qualquer hora, se precisares de algo...

— Sim, obrigado amigo. — dou-lhe um aperto de mão me despedindo e saio do seu carro.

Entro em casa, não acendo a luz e caminho por cada cómodo da casa no escuro até o meu quarto, em total silêncio. A cada passo que dou meu coração aperta mais.
Não consigo sentir o cheiro do perfume de Eva, nem o de suas comidas que preparava com tanto carinho quando ficava para dormir cá em casa. Também não ouço o som da música clássica do Spotify a tocar na pequena coluna portátil, enquanto trabalhava no escritório. Entro em meu quarto e dirijo-me até o armário da roupa, pego um dos primeiros vestidos de Eva que encontro, sigo acariciando o tecido, cheiro-o, inspiro profundamente o perfume dela ainda entranhado nele.

Caminho até o escritório dela, suas coisas ainda estavam intocadas, deixadas exatamente da forma como ela as havia deixado naquele dia. Acendo apenas a pequena luz que havia sobre a mesa, ao lado do seu computador. Pego no porta retratos que também se encontra ao lado, e acaricio a foto que continha. Sou eu e ela abraçados numa viagem feita a Barcelona. Sento na cadeira de escritório e fico a observar cada detalhe daquele espaço. Um painel com fotos de todas as nossas viagens feitas juntos, está pregado à minha direita, o copinho em cima da mesa com canetas de todas as cores e feitios. Eva era uma colecionadora de canetas, assim como de ímans dos vários países que visitamos, que aliás ocupavam toda a porta do frigorífico.

O tapete branco felpudo no chão, uns quadros com umas frases de incentivo, algumas velas de cheiro, uma caneca personalizada também ela com uma foto nossa. Almofadas coloridas enchiam o pequeno sofá. Sorrio, ela tornou aquele escritório não num local chato de trabalho, mas sim num local agradável e confortável. Por isso ela passava tantas horas a trabalhar dentro dele. Apesar de ainda não vivermos oficialmente juntos, grande parte dos dias ela os passava aqui. Levanto ao ver um monte de post-its coloridos que chamam a minha atenção. Pego em alguns, sua letra é perfeita e delicada. Algumas anotações são de coisas a não esquecer para o trabalho, outros são sobre coisas a organizar para o nosso casamento, sinto um arrepio passar por mim. Limpo minhas lágrimas, e leio mais um que chamou especialmente minha atenção, por ter meu nome.

" Só pra constar nos registos por aí, que todo o meu amor é teu. Amo-te, Rodrigo "

Peguei em mais alguns e haviam vários dedicados a mim. Eva era uma romântica, então sempre deixava seus bilhetes com declarações espalhadas pela casa. Leio mais um.

" Não sei o que os caminhos da vida nos reservam, mas tenho a certeza que para onde quer que vá, te levarei no meu coração. Ly, Rodrigo"

Fecho os olhos abalado.
Aquelas palavras apertaram o meu coração, ironia do destino ler este bilhete agora. Um desespero toma conta de mim novamente, não saberei viver sem a sua presença, sem seu amor, sem seu toque, sem seu sorriso, sem seu cheiro. Ciente que preciso de me acalmar, e não querendo tomar nenhum dos calmantes que Nuno me deixou, por odiar tomar medicamentos, vou até o bar da sala e sirvo uma dose de whisky puro sem gelo. Isso me ajudaria a tranquilizar, pelo menos é o que espero. Volto para o escritório de Eva e coloco a playlist de músicas memorizada por ela no iPod, deito no sofá sem conter meu sofrimento. Ali fico por horas focado em cada detalhe, cheiro o vestido, como se isso trouxesse um pouco de sua presença até mim. Bebo tudo, e adormeço vencido pelo cansaço, e pelo álcool.

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