Aproxima-se a morte suave

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Quem o trouxe foi uma de minhas gatas, Fiore, a flor mais cruel e fofa que tive o prazer de conhecer.

Ela veio correndo, em um trote apressado e alegre, como se estivesse orgulhosa e contente por estar carregando aquela coisinha marrom na boca. E, distraída com a presa recente, acidentalmente esbarrou na porta do meu quarto e acabou por soltá-lo de seu aperto astuto. O pardalzinho, se vendo livre da gata, correu em pulinhos desesperados para se esconder atrás do guarda-roupa.

Parei tudo o que estava fazendo — nada relevante o suficiente para mencionar aqui — e enxotei a temível caçadora dali. A seguir, isolei o cômodo, a fim de que ela não tentasse capturar aquela criaturinha novamente. Então, afastei o armário com cuidado e toquei a bolinha emplumada de lá. Ele estava com medo, como qualquer animal ficaria após ser pego pela sádica e adorável Fiore. Seu corpinho estava todo sujo de poeira e ele ofegava meio aterrorizado, era verdadeiramente lamentável. Mas isso não o impediu de disparar pulando de novo.

O segui de perto e, enquanto ele tentava se esconder debaixo de algumas coisas — tarefa na qual falhava miseravelmente, de um jeito um pouco cômico —, estendi a minha mão. Estava encurralando-o com a outra, buscando aprisioná-lo, mas quem foi pega em uma armadilha fui eu. Porque aquele passarinho fez algo que nenhum outro passarinho faria: ele saltou bem para o centro da palma da minha mão e lá aconchegou-se, indo contra qualquer resquício de bom senso que uma criaturinha como ele deveria ter.

Então, imediatamente adotei o pássaro. Afinal, mesmo que pretendesse libertá-lo depois que se recuperasse, imaginei que já tínhamos cativado um ao outro.

E desde o começo de nossa curta relação, criei algumas expectativas — melhor dizendo, eram apenas sonhos bobos, frutos de uma imaginação fértil e um pouco estúpida —, dessa forma, aquela criaturinha seria meu pardal companheiro, um pequeno mensageiro, que voaria de um lado ao outro do mundo, atravessando campos ensolarados e colinas floridas para me encontrar.

Arrumei uma caixa de sapatos mais ou menos decente, fiz um ninho aconchegante com os melhores panos de chão e coloquei o pardalzinho no centro daquele lar improvisado. Ele estava sonolento — cansado devido a grande fuga antes de ser capturado por Fiore, eu imaginava — e lá repousou quieto durante um tempo. No entanto, para a minha surpresa, a ave começou a pular da caixa para o meu colo, afagando as palmas das minhas mãos com a cabeça e fechando os olhinhos.

Ao meu ver, aquele era um claro sinal de confiança, como se ele compreendesse que eu não era uma ameaça e demonstrasse que gostava da minha companhia. O que fez com que eu me apaixonasse ainda mais pelo animalzinho.

Volta e meia ele me olhava com aqueles olhos pretos brilhantes, repletos de curiosidade, perfurando-me a alma silenciosamente como se questionasse o sentido da vida. Ele era apenas um pequeno pardal, mas tínhamos desenvolvido algum tipo de conexão, de maneira que compreendíamos um ao outro como ninguém mais poderia fazê-lo.

Em algum momento, precisei deixar meu pardalzinho na caixa de sapatos enquanto me ocupava com outra tarefa tediosa, que definitivamente poderia ter sido deixada para mais tarde. Foi por apenas alguns minutos, estes que nem notei passarem. Porém, foi o suficiente para a morte.

Não senti nada, nem sequer um calafrio ou uma premonição do que ocorria a centímetros de mim. O que é engraçado — do jeito mais horrível —, porque o pássaro miúdo perdeu a vida em alguns instantes, e não fui capaz de notar até observá-lo com calma.

E isso me leva a uma questão digna de alguns segundos de estupor: a morte chegou sem aviso e foi-se da mesma forma, em taciturna marcha fúnebre, envolta por correntes de luto que não emitiam um único tilintar. Sim, a morte esteve ao meu lado e, em um silêncio meio zombeteiro, arrancou meu pardal de mim sem nem hesitar. Mas quando? Quando ela conseguiu ceifar a vida do pequeno e frágil corpinho emplumado? Como ela fez isso em uma quietez tão tranquila e imperturbável?

Enterrei meu pardalzinho naquele fim de tarde.

O sol atravessava a folhagem das árvores próximas e coloria o mundo da mesma forma, banhando a cova do meu passarinho com sua luz morna e alaranjada. A brisa acariciava meu rosto delicadamente, como sempre fez, apaziguando um pouco do vazio que tomava parte de mim.

A grama parecia um leito suave e macio enquanto balançava junto ao vento, o que me fez pensar que seria ótimo deitar ali e me deixar enraizar eternamente ao lado daquela bolinha de plumas macias. Além disso, os demais passarinhos cantavam alegremente, quase um lembrete de que aquele pardal — que também deveria estar voando e cantando — não estava mais lá.

A terra era gelada, apesar de branda, e os olhos do meu pardalzinho não cintilavam mais.

Encarando aquelas esferas opacas e compreendendo o que vi, não pude evitar as lágrimas quentes que desceram lentamente.

Não conhecia aquela ave pequenininha há muito tempo, mas senti que um fragmento de mim partia junto dele para dentro de um buraco escuro.

Fiquei triste porque entendi que a normalidade que presenciei com a partida do meu pardal significava que a morte fazia parte da vida. E eu provavelmente estaria em sua presença por muitas outras vezes e, em todos esses outros momentos, também não seria capaz de notar sua aproximação.

Teria que lidar com o mundo continuando a ser o mesmo após incontáveis partidas sem retorno. Teria que lidar com o fato de que meu tumulto interno, revestido de saudade e revolta, não alcançaria o exterior... ou comoveria o Universo da mesma forma que uma Estrela Cadente foi capaz de fazer.

O que me faz lembrar que meu pardalzinho não recebeu um nome, partiu livre de qualquer laço comigo ou com o resto do mundo. Mas, penso agora, que talvez isso tenha sido o melhor, porque ele era o oposto de morte até que ela o levasse. Ele era existência vivaz e alegre — cintilante —, e é bom que não esteja ligado a nenhum ser ofuscado pelas pendências de sua própria existência.

Então, posso dizer que, dessa vez, a morte veio na forma de um pequeno passarinho, de plumas macias e olhos pretos cintilantes. O que me consola é que não foi a pior das idas, mas ilusoriamente espero que isso jamais se repita.

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