Sussurros sobre um coração partido

15 5 10
                                    


O dia amanheceu mais claro do que o normal em Andally, os céus cinzentos como fumaça dessa vez deixavam os raios de sol passarem pelas nuvens apáticas. Um vento frio ainda era presente, mas o toque morno do amarelo aliviava a baixa temperatura em contato com a pele. Foi assim que Gerard enxergou o dia quando saiu pela manhã para andar com Luna ao redor da Grande Casa, acompanhado por sua guarda e por Michael, que fez questão de cavalgar ao lado do irmão na manhã de seu casamento seguida de coroação.

Michael temia que Mergy tentasse algo após ele se recusar a tirar a vida de seu irmão para assumir a coroa. Ele tinha grande parcela de culpa nas costas pelos últimos acontecimentos em Andally, Mergy sabia que com Gerard em evidência seria fácil para o jovem Myaway se livrar do ancião. Ambos tinham seus motivos para atingirem um ao outro.

— Nervoso? — Michael perguntou a Gerard.

— Não existe nada que irá acontecer que seja além do esperado — Gerard respondeu após parar em frente a uma árvore e pegar uma pequena e bela flor branca que estava desabrochada.

Não era nervosismo o que ele sentia, era conformismo. Um novo cenário político teria início em sua linhagem, ele seria o primeiro de seu nome e o segundo do nome real, e ainda com todo o peso de carregar um reinado e toda a burocracia a mais.

— Coleciona flores agora? — Michael perguntou ao notar que Gerard guardou a flor branca que pegou na árvore — é pra Lady Ballato?

— Ah, claro que sim — mentiu, e seguiu seu caminho.

— Vamos voltar, você vai precisar se preparar.

— Certo — Gerard respondeu olhando para frente em direção a floresta, em direção a casa de Rhagar — eu só preciso ver algo antes. 

Gerard ignorou os chamados de Michael quando foi cavalgando até a cidade, seguindo o caminho que fez com Anthony a tempos atrás quando o mesmo fora visitar a vidente Marier.

Novamente ele estava em frente a aquela casa, dessa vez colocou seu capuz e resolveu entrar sem anúncios, se aproveitando de seus próprios privilégios, encontrando a mulher concentrada em algum livro a sua frente, com velas ao redor de uma mesa.

— Eu sabia que você viria — ela falou sem tirar os olhos do livro — está atordoado, meu quase príncipe.

— Eu estive aqui antes.

— Sim, com o garoto que os sussurros chamaram de príncipe do Sol. Eu me lembro de vocês, e me lembro daquelas visões ávidas — ela foi se aproximando de Gerard — é sobre ele que você quer saber?

— Por que o chamam de príncipe do Sol?

— Seus olhos estão mais verdes do que jamais foram, o dia de hoje sorri a sua coroação. Você percebeu? — ele respondeu com outra pergunta, ignorando a de Gerard.

— Então eu serei rei?

— Ah, certamente — ela voltou-se a mesa pegando uma vela e pingando a cera derretida em um recipiente — você nasceu para ficar abaixo de uma coroa, mas... — ela franziu o cenho olhando para a cera no recipiente — não o único rei.

— O que quer dizer? — Gerard olhou para a cera espalhada na cerâmica, tentando entender o que Marier enxergava ali — Fala de meus descendentes?

— Falo daquele que também carregará uma pesada coroa junto com você.

— Ela vai se sair bem, já tem se porta como rainha — ele respondeu olhando ao redor.

— Quem disse que é ela? — a mulher perguntou sorrindo — você não se parece com sua mãe — ela se aproximou de Gerard — deixe-me segurar sua mão.

— Eu não acho que— antes que Gerard pudesse protestar, Marier pegou uma de suas mãos e apertou, seus olhos ficaram inquietos, como se ela estivesse lendo algo muito rápido ou assistindo a uma cena frenética. Ela levantou o olhar para Gerard com uma expressão pavorosa — O que?! — ele perguntou curiosamente assustado.

— Para um cético você parece bastante interessado no que eu vi, lorde Myaway — a mulher pausou e olhou profundamente os olhos de Gerard — você teme que seja algo relacionado a ele — ela riu — seu coração foi tomado, tão rápido que não teve tempo de construir barreiras, e agora teme que foi o único a sentir-se invadido.

— Você está zombando de mim? Se for eu me nego a continuar com isso — ele se desvinculou totalmente da proximidade da mulher, ameaçando sair pela porta.

— O coração que tomou o seu também foi vítima de seus encantos — ela afirmou, Gerard estagnou em frente a porta, a mulher começou a se aproximar — os encantos de um Myaway são perigosos, mas você encanta como uma serpente dançante, o que é bom quando atrai a atenção de quem deseja, mas tão ruim quando atrai o amor de quem não pretende amar.

— O que quer dizer? — ele perguntou se virando novamente a moça, que pôs ambas as mãos nos dois lados do rosto do rapaz, segurando-o firme e próximo ao seu.

— Seus encantos são venenosos, você atraiu uma pessoa perigosa, aquela não nomeada por sua descendência, mas tão peçonhenta quanto uma víbora.

— Eu não deveria ter vindo — Gerard tentava ignorar, não queria aceitar que aquelas palavras poderiam fazer sentido. Não pensar era o melhor para ele mesmo, mas ele não era ingênuo, ele sempre entendeu as profecias, se fazer de leigo ou cético era mais fácil.

— Aquele do qual você veio saber também lhe entregará seu coração — ela o interrompeu quando ele abriu a porta, antes que pudesse sair — mas você o ferirá, será tão doloroso quanto uma adaga em seu peito. Aquele a quem você ama, sofrerá por ama-lo de volta. Quem o ama estará sempre fadado a sofrer.

Gerard olhou para a mulher reprovando cada uma de suas palavras, como quem dizia que era impossível que aquilo acontecesse. Ele sabia quem tinha seu coração naquele momento, também sabia que jamais seria capaz de machuca-lo, nada mudaria esse fato, nem mesmo uma profecia. Estava errado. Ele saiu daquela casa totalmente convencido. Ela estava errada, ao menos era o que ele queria acreditar. Havia uma motivo para continuar cético: profecias podem ser dolorosas.

Andally [FRERARD] Onde histórias criam vida. Descubra agora