Crônicas de Ríthia - Vol. 1 (Pergaminhos do Multiverso)

Cruzada do Deserto: O que temem

Coçando a barriga, Frold, com a boca seca e lábios quebradiços, resmungava como um idoso. Acostumados com o comportamento ranzinza do colega, o restante da trupe ignorava-o. Em certos momentos, sentindo-se rude por desconsiderar os dizeres dele, Sarash desacelerava o flutuar, aproximando-se dele.

Elencando as inúmeras razões que tornavam Nabolus um inimigo da sociedade, o anão condenava os associados do demônio por compactuarem com o regime macabro e mórbido imposto. Banqueteando-se do desespero de inocentes e alastrando as trevas como uma infecção, aquele maldito — modo pelo qual denominava o ser das sombras — implantava caos por onde se instalava.

— Reaver a Gema de Rosidorita e devolvê-la a coroa de onde nunca deveria ter saído é minha missão — proclamou, estufando a barriga. — Bastardo! Usar da gema para expandir seus domínios...

— Seu povo foi bravo, Frold — enalteceu Rakhan, fazendo com que o anão gargalhasse pelo elogio. — Presume-se que a catástrofe cairia sobre o mundo caso um artefato como a Coroa de Borealis fosse usado por ele.

— Movimentos obscuros e enigmáticos perpetuam nas ações de Nabolus — acrescentou a fada. — Reconhecer os objetivos nas entrelinhas torna-se árduo e estúpido.

Demonstrando aflição, a fada, que antes tinha suas asas brilhantes como constelações, a destacando enfadonhamente, temendo atrair atenção desnecessária, diminuíra a intensidade típica. Isriel já não mais largava sua lança. Rakhan notava, nesses detalhes, a tensão se espalhando pelos colegas.

— De fato, os passos de Nabolus são desconhecidos. Isso alimenta minha sede por contra-ataque — frisou o elfo, com a voz sendo empurrada com fervor por sua garganta.

— Recuperaremos sua irmã, amigo — prometeu o drakiniano.

Meses antes, após se instalarem naquele mundo, os irmãos elfos foram contemplados com uma inusitada visita. Ocultando sua verdadeira forma, o demônio raptara a irmã mais velha de Isriel. Convidado em seguida pela Armada de Aiwucrix, que acolhia pessoas que sofriam com as desgraças esbanjadas pelo demônio, o elfo enxergara-se diante de um novo propósito: erradicar Nabolus e qualquer resquício de sua influência.

Conduta justa e carismática ecoava pela liderança de Rakhan. Acobertando uma história triste, as asas do drakiniano refletiram, no passado, as manchas de uma brutalidade descomunal e instável. Junto do restante de sua vila, incendiaram florestas, em busca de vingança pela retaliação que sofreram por um suposto ataque de dríades interessadas na essência de dragão que percorria as veias de sua raça.

Corrompidos pelo desejo de retribuir a selvageria das dríades, devastaram regiões inteiras, semeando-as com um fogo abrasador, sufocando-as com a hedionda névoa. Padecendo perante o ataque dos drakinianos, as poucas dríades sobreviventes procuraram abrigo em um pântano lamacento. Todavia, foram logo descobertas pela aguçada visão dos que compartilhavam traços de dragão.

Opondo-se aos drakinianos antes que as dríades sofressem extinção, as fadas lançaram um feitiço que desfizera a alucinação criada por Nabolus, o expondo como verdadeiro responsável pelo golpe que sofreram. Sensibilizado pela angústia do povo da floresta, nutrindo ternura e desesperado pela chance de amenizar seus pecados, Rakhan recebera o convite de uma fada, o pai de Sarash, chamando-o para se juntar à Armada de Aiwucrix. Entendendo aquilo como a oportunidade que o universo lhe entregara após ouvir suas preces, aceitara a missão de livrar o mundo daquele nefasto demônio.

Diferente dos demais, a fada pressentia uma energia negativa os cercando lentamente. Cautelosa, analisava o arredor, ansiando encontrar alguma pista acerca da misteriosa sensação. Comentando com os demais, partilhava o receio que, infelizmente, fora recusado por eles. Preparando-se para batalhas, o trio escancarava ânimo diante um iminente confronto contra as forças de Nabolus. Sarash, por sua vez, insistia que o perigo era distinto.