Ilha de Maré

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Estava de madrugada lendo Clarice. Banhos de Mar. A narração dos passeios até a praia durante a noite, vividos na infância da autora. Isso me trouxe algumas lembranças sobre minha própria infância. Decidi escrever:

Quem mora em Salvador, ou conhece a Bahia, já deve ter escutado falar de Ilha de Maré. Uma ilhazinha bem bonita. Para chegar lá pegávamos uma lancha em São Tomé de Paripe e soltávamos na beira do mar. Eu era muito pequeno, precisava ser carregado na descida. Imagine o balanço do mar, na viagem e na chegada, o cheiro do sal, e a promessa de chegar naquele paraíso. Meu pai me carregava, e minha mãe à minha irmã, e seguíamos para a praia. Não lembro se o que sentia pelas ondas nesse momento teria sido medo ou desejo de mergulhar naquelas aguas, mas era algo bem forte. O caminho para a casa que alugávamos seguia pela praia. Tinha belas casas, alguns bares e coqueiros... Para levar as coisas sempre tinham alguns rapazes com burrinhos. A casa era bem pequena. Mas agradável. Deixávamos as coisas arrumadas e era hora de tomar banho! Lembro de descer o caminho, talvez correndo, provável, até a agua. Onde estava o mar? A maré estava seca. A areia cheia de buraquinhos de siris. Minha mãe ficava com a gente na beirinha da agua, eu com minha boia e minha irmã nos braços dela. Meu pai ao nosso lado, noutras vezes tinha ido comprar algo. Numa dessas vezes, minha mãe pôs eu e minha irmã num barquinho azul para nos fotografar. Tiramos fotos encostados nas arvores, na agua... Imagine se nesse tempo existisse instagram!

Mas apesar de toda a diversão do dia, grande parte da magia acontecia à noite: do quartinho colado à sala, deitado na cama feita de concreto que tinha insistentes formigas, podia observar da gretinha da janela um show de luzes noturno. Tratava-se das estrelas e dos seus compatriotas noturnos, os faróis dos barcos. Brilho aqui, pisca ali. Vermelho, amarelo, brilhante. O som das ondas. As pisadas de um cavalo no caminho fora da casa. O mar e o céu eram um grande lençol azul escuro, negro, que abrigava luzinhas. Aquele mundo real, hoje imaginário, era algo de mais fantástico em minha vida. 

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