Escuridão

53 9 3
                                    

Eu não enxergo mais.
Eu não vivo mais.
Mas, por algum motivo, eu permaneço aqui.
Preso ao meu corpo.

Dio roubou meu corpo fazem vários anos, mas eu continuo aqui. Mesmo morto, eu ainda estou aqui.
Tentei resistir e aparentemente consegui por muito tempo, mas Dio finalmente ganhou.
Ele conseguiu o que queria.

Eu não queria matar-lo realmente. Eu não queria que as coisas tivessem acabado assim. Ele pode me ouvir? Ele pode me sentir? Ele sequer se importa com isso? Bem, é o Dio, ele me odiava mais do que tudo. Eu não acredito que ele sentiria algo com isso.
Arrepender-se não é uma característica do Dio, a não ser que ele tenha feito algo errado em sua conquista para seu triunfo supremo. Ou será que estou enganado?
Será que, lá no fundo, ele também não queria que as coisas tivessem acabado assim?

Será que ele sente falta de mim?

Não, ele não deve sentir...
Eu atrapalhei os planos dele e quase causei a sua morte. Ele sobreviveu por muito pouco.
Definitivamente sente raiva de mim. Desgosto. Ódio. Deve me achar repugnante e irritante. Deve me achar inferior e como só mais uma pessoa que ele esmagou para pegar o que queria.
Mas eu não consigo.
Eu não consigo odiar-lo.
Não consigo sentir ódio pelo Dio.

Ele estragou minha vida. Mastigou tudo que eu tinha e cuspiu na minha cara. E ainda assim, eu o perdôo.
Eu perdôo o Dio. E eu quis deixar isso claro antes de morrer.
Como ele reagiu? Ele me achou patético? Idiota? Imbecil? Muito provavelmente, afinal, ele não deve achar que merece o perdão de alguém. Ou talvez, ele acha que não precisa de uma "coisa tão fútil".
Por isso o peguei de surpresa. Porque mesmo com ele tendo feito tão mal a mim, eu ainda fui capaz de perdoá-lo. Eu ainda fui capaz de sentir que não o odeio. E talvez eu seja a única pessoa que agiu dessa forma com ele.

Eu queria ter visto sua reação.
Queria ter te confortado.
Queria ter te abraçado mais um pouco.

Aqueles bons momentos que tivemos durante a adolescência, depois de tantas brigas, mesmo que fossem apenas uma manipulação da sua parte, eu sinto que não foi totalmente falso. Eu genuinamente me diverti com você, Dio, mesmo sabendo que você só estava me manipulando para me fazer abaixar a guarda.
Eu ri com você. Brinquei com você. Joguei rugby com você e nós éramos uma dupla infalível! Era bom quando jogávamos um contra o outro também. Você ficava emburrado feito uma criança quando perdia, mas depois parava e ria comigo.
Aqueles momentos foram tão... Tão mágicos.
Eu me senti bem ao seu lado, mesmo que por um segundo. Mesmo depois das coisas que você já tinha feito antes disso, por mais que elas ainda me deixassem profundamente chateado.
Eu queria ficar naquela sensação por mais tempo. Eu queria que aquilo durasse pra sempre. Que nós fossemos crescer juntos e amadurecer juntos.

Você era um amigo incrível, Dio. Talvez se você tivesse reconhecido isso, as coisas teriam sido diferentes. Talvez se eu tivesse tentado te entender, te ajudar a superar seus traumas e a melhorar como pessoa, você genuinamente gostaria de mim. Talvez se eu não tivesse te tratado tão mal desde o início, aqueles momentos durariam um pouco mais. Nem que seja só um pouco.
Eu sequer sei sobre seu passado exatamente. Você deve ter agido daquele forma por alguma razão. Você era só uma criança. Se você cresceu em um ambiente hostil, você não saberia como sair dele. Afinal, você aprendeu a ser assim. Entrar em um ambiente completamente novo não vai necessariamente alterar a maneira que você costuma agir. Porque talvez você não saiba como ser diferente. Você não teve toda a culpa nesse caso.

Eu sinto falta disso, Dio. Eu senti falta disso. Eu queria te segurar só mais um pouco e te abraçar uma última vez. Eu sabia que eu morreria. Aquele abraço foi para mantê-lo no navio, mas também foi honesto. Foi a coisa mais honesta que fiz com você. Erina ainda tentou me ajudar a fugir, mas eu escolhi ficar.

Eu escolhi ficar com você, Dio.

Você também se divertiu naquela época? Você se sentiu minimamente feliz, mesmo tendo crescido em meio ao ódio? Eu fiz você se sentir amado o suficiente? Pelo menos alguns sorrisos seus, nem que sejam poucos, foram honestos? Foram de coração? O que você pensa disso agora, Dio?

É inútil perguntar. Eu sinto que estou caindo em um abismo infinito. Eu não paro de cair. Tudo está escuro. Eu não sinto mais o meu corpo. Eu não ouço mais nada. Nem mesmo meu coração batendo.

Eu sinto que estou sofrendo. Mas eu queria saber como você está, Dio. Eu queria que você fosse capaz de me ouvir. E eu queria ouvir você também. Eu queria poder entender você melhor, algo que eu deveria ter feito muito antes.

Eu não sei há quanto tempo estamos aqui. Quantos anos se passaram desde então? Você se recuperou? Ah, imagino que sim. A minha linhagem continuou? E meu filho, George, como ele está? E a Erina? Erina com certeza deve ter sentido minha falta. Eu também sinto a dela.
Porém, eu continuo caindo. Eu não posso ir até ela. Eu não posso ir até você. Eu só estou caindo.

Caindo no abismo infinito.

Espero que todos estejam bem. E espero que algum dia você possa enxergar tudo isso, Dio.
Não sei se você morrerá algum dia, levando em conta que é um vampiro imortal em relação ao tempo, mas se sua hora chegar, eu vou estar te esperando, Dio.
E eu vou te receber com um abraço caloroso e amigável.

Eu só espero que eu me liberte desse abismo junto com você. E que nós dois possamos descansar em paz.

Até lá, Dio.

"Você venceu, Dio"Onde histórias criam vida. Descubra agora