Capítulo único

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Ao saber de como a vida andava e em como poderia prosseguir sem rumo, o quarto de Parker começou a ficar mais melancólico do que o normal. A sensação de um corpo pesado depois de acordar às 19hrs dentro de uma soneca que durou a tarde toda, era quase impossível permanecer no mesmo quarto sem sentir que deveria levantar, tomar um banho, comer alguma coisa, fazer qualquer coisa que fosse, desde que fora do quarto.

Olhando para o teto branco e que agora refletia a sombra das persianas produzidas pela luz do poste de sua rua, refletiu se valia mesmo a pena sair da cama. O frio em abundância invadia as ruas da cidade naquele horário, não havia mais um sol forte com que poderia usar como aquecedor, a rua estaria vazia e a hora do rush teria se dissipado por completo. Mas pensando bem, o que ele teria a temer? Sem compromisso com estudos, com pessoas e com horários. O que o impedia? 

Resolveu levantar e lavar o rosto com uma água bem gelada da pia do banheiro. As remelas nos olhos precisavam ser removidas, o pesar dos olhos precisava ser amenizado e seu corpo precisava ser acordado por completo. Foi descendo as escadas com sua meia branca e simples da Lupo, sendo o carpete de veludo que revestia a escada. Queria saber se os pais se encontravam em casa, mas tudo o que conseguiu ver foi um bilhete escrito em post it dos pais avisando que tentaram acordá-lo para jantar, mas que o sono profundo não ajudou e precisaram sair para jantar com os sócios da empresa que o pai trabalhava. Dentre as 4 luzes da cozinha, somente 2 estavam acesas, e as luzes piscando na árvore de Natal na sala faziam com que a cozinha tivesse um aspecto mais avermelhado. 

Conforme as luzes iam piscando em seu ritmo, ele foi encarando o bilhete e o ambiente em que se encontrava: sozinho em casa, na cozinha avermelhada e com um pão com ovo já frio pelo tempo que ficou esperando no balcão. Vendo que o corpo ainda estava pesado e percebendo que, estando em seu quarto ou em sua casa de modo geral, só o deixaria ainda mais cabisbaixo do que já esteve quando acordou em seu quarto escuro dentro de uma casa vazia. Era hora de sair.

Calçando seu Oakley cinza que estava na sala, perto da árvore de Natal, notou que uma das bolas natalinas havia caído e quebrado, e para evitar que alguém se machucasse, alguém varreu para debaixo da árvore. Mas não fez nada, amarrou os cadarços, pegou as chaves do seu Nissan Gtr e entrou no carro. Enquanto o portão abria, o chaveiro de cruz batia dentre as chaves fazendo um som fino que depois se perdeu no barulho alto do motor dando partida.

Conforme ia andando pelas ruas que já sabia estarem vazias, começou a tocar um pouco de Mac DeMarco na playlist  aleatória que já estava pela metade. Dando uma volta pela avenida principal, conseguiu notar as famílias e os casais reunidos dentro dos estabelecimentos, tomando um copo de chocolate quente ou uma taça de vinho para se aquecerem além da companhia. Ele achou aquilo mórbido e não se importou em dirigir até outro lugar.

Depois de várias voltas, percebeu que havia desligado o motor na Rua Maryland que ficava do outro lado da cidade, em outro bairro e que não pisava lá havia muito tempo. Mas Parker sabia muito bem que seu avô morava no bairro vizinho e que o levava muito naquela vizinhança quando pequeno, por haver uma pequena praça que se enchia de pássaros nas árvores ao anoitecer e se tornava uma bela paisagem para se passar o dia com os vizinhos e a família.

Olhando aquela vista encostado no capô do carro, via que a árvore não mais tinha folhas por conta do outono, não mais haviam crianças brincado no playground como antigamente e até hoje, e não havia mais ninguém ali. Isso incluía o seu avô também.

Aquele pensamento fez com que Parker abaixasse a cabeça e refletisse no quão boa sua infância foi, em como sentia falta dos momentos felizes que tinha com seu avô, que parecia ter marcado sua vida como se fosse uma presença que só ele poderia alegrar sua história e a de seus pais. A luz amarela do poste batia exatamente na cabeça dele, fazendo com que seus cabelos se mexendo com o vento pudessem ser vistos pela sombra totalmente focalizada que ele era naquele momento de retrospectiva.

Passando 4 minutos, pelo que se lembrava, Parker notou que pequenos flocos começavam a aparecer junto a sua sombra na rua, caindo em cima de sua cabeça. Era a primeira neve do ano, e pelo visto ela chegou mais cedo do que o esperado. Isso fez com que abrisse uma pequena brecha para que ele tivesse um momento de paz, de tranquilidade e de consolo consigo mesmo, fazendo com que olhasse para cima e pudesse finalmente sorrir para um momento tão simples como aquele, mas que o fazia bem de bom grado. 

Pensando em voltar para o carro e pegar o rumo de volta para casa, parou por um instante.

Havia uma jovem. Uma jovem de usava um casaco preto térmico com alguns cabelos à mostra refletindo um pouco da luz amarelada que agora iluminava os dois. Ele não a havia visto chegar, esteve tão imerso assim por causa de simples focos de neve? Teria visto ela chegar, com certeza teria.

- Eu acho que você não lembra de mim, mas eu certamente lembro de você. É Parker, não é?

- Sim. Quem é você?

- Eu me lembro muito bem de quando seu avô te trazia aqui no parquinho para brincarmos juntos. É estranho olhar para ele e não ver mais a agitação que a gente percebia e refletia quando éramos crianças. Você não concorda?

- Eu acredito, que da mesma forma com que as nossas vidas se passaram tão rápido, a alegria das crianças é outra hoje em dia. É estranho porque isso faz com que eu me sinta sozinho por conta do quão rápido o tempo passou.

- Você ainda se sente sozinho?

- Sim.

- Mesmo comigo aqui?

Ele ergueu o olhos e olhou atentamente:

- Eu nem sei quem você é e nem lembro de você. Como espera que eu me sinta confortado por alguém que diz ter lembranças comigo sendo que eu mesmo não tenho ideia do que seja isso?

- Não tem problema - disse se aproximando - se você não tem lembranças de mim, criaremos uma nova. Consegue escutar esse som?

E de longe, bem baixinho, conseguiram ouvir leves piados e cantos de passarinhos dentro de uma das caixas de correio dos vizinhos.

- Você pode achar que tudo mudou nesse parquinho porque não consegue mais enxergar ele da mesma forma como quando era criança, não tendo as mesmas pessoas, os mesmos objetos ou os mesmos lugares. Mas não pense que tudo nele mudou só porque não consegue enxergá-las. Não se esqueça que as coisas estão em constante mudança, por conta próprio ou involuntariamente, como os passarinhos que ficam sempre na árvore, mas que por conta do tempo frio, precisaram ser forçados a mudar de lugar temporariamente, mas sempre estiveram ali por conta própria.
Da mesma forma funciona para nós. Podemos ter crescido e as coisas ao nosso redor terem sido moldadas de forma diferente de quando conhecemos esse mundo, mas isso não significa que a essência delas mudaram ou que as lembranças que temos sobre não significassem nada. Acredito que elas são as coisas mais valiosas no mundo porque vivemos aquele momento como se fosse único, como se fosse uma única vez.

Encarando e ouvindo atentamente, Parker ficou chocado em saber que sua amiga de infância que não a revia por 17 anos pudesse se lembrar dele, e muito mais: ter ampliado o seu modo de ver e tirado o peso que por muito tempo esteve preso e pendurado em suas costas.

A playlist ainda tocava dentro do carro e conseguia ser ouvida bem baixinha por conta da pequena abertura que Parker havia deixado por não ter fechado a porta. A jovem que portava um sorriso chegou um pouco mais perto para que pudesse pegar sua mão com sua luva azul marinho de veludo térmico.

- Vamos dançar essa música, ela é muito boa.

- Mas eu não te reconheço totalmente ainda.

- E por que precisa disso? Vamos criar novas lembranças boas um para o outro. E mesmo que eu não te conhecesse, pode ter certeza que eu ainda sim teria a coragem de te chamar para dançar. Só se vive uma vez, por que não se permitir sentir isso?

Sim, era isso que faltava. You only live once era um termo que poderia descrever bem tanto aquela noite quanto o que faltava na vida de Parker.

O peso do corpo depois de acordar, o sentimento de vazio no balcão da cozinha, o pensamento de morbidade ao ver as pessoas nos restaurantes e o sentimento de saudade se dissiparam aos poucos conforme iam dançando sobre a neve caindo em uma noite fria, mas confortável, como se fossem várias estrelas cintilando sobre eles.

Como se fossem várias estrelas cintilando sobre nós.


Fim.

Cintilando sobre Nós (Oneshot)Onde histórias criam vida. Descubra agora