A pior parte em estar morta, não é a morte em si mas, o despertar. Sair de dentro da sua própria cova é um trabalho árduo e, digamos que, desgastante.
Mas posso garantir que, escavar a terra com as próprias mãos, pra sair de um buraco fundo, onde quem te jurou amor eterno te colocou lá, vale cada centímetro.
O cheiro da minha própria podridão, de repente, passa de algo asqueroso, pra um perfume inebriante e natural. E, a ardência nas feridas iniciadas pelas larvas, já não incomoda tanto.
Minha ânsia, era sair, abrir caminho pela terra seca e voltar ao mundo dos vivos, ou melhor, voltar pra casa.
Casa? Algo ilusório que, só agora, depois de todo sofrimento vivido em minha própria carne, antes e depois de estar morta, é que me faz perceber o quão inocente e iludida uma mulher pode ser, por um suposto "principe encantado".
Mas, falando em príncipe encantado. Me coloque em frente a um, e veja o quão sordida e impiedosa posso ser.
Esqueça os livros, os contos de fada e os finais felizes. Eles não existem.
Agora, se deseja mesmo saber como uma boa história de amor termina. Continue lendo minhas palavras e vai ver quanto amor restou dentro mim.
A primeira lufada do ar da noite é só o princípio. É sufocante e me causa certa agonia. Meus instintos de morta-viva também se contorssem, implorando pra que eu volte ao meu lugar em baixo da terra.
Mas, ainda havia algo que eu precisava fazer antes do meu descanso eterno. Uma vingança fria e doce me aguardava.
Descubro ao ficar em pé, que essa não é a melhor posição para um cadáver. Minhas pernas e braços rígidos e cobertos de feridas, me impedem de caminhar com elegância.
Os pequenos animaizinhos caindo das fissuras, ficando pelo caminho, tambem me causam um certo desconforto. Afinal de contas, agora eles faziam parte de mim e, eu precisaria de cada um deles.
Mesmo assim, obrigo meu corpo a se contorcer e, afrouxar as juntas enrrigecidas pela morte. Eu precisava me apressar e, ignorar a ardência nas feridas, o estalar dos ossos e até mesmo o doce perfume da minha podridão.
É doloroso, cruel, mas necessário.
Ajeito também o cabelo. Os fios sebosos e enfraquecidos se enroscam aos tufos, quando os acaricio com os dedos.
Outra parte de mim que sou obrigada a deixar pelo caminho.
E pensar que um dia desejei ser a esposa perfeita, aquela que lava, passa e cozinha. Aquela que sabe fazer tortas e estende as roupas branquinhas ao sol no verão.
Mas infelizmente, essa chance foi arrancada de mim. Cruelmente sufocada, estrangulada e empurrada escada abaixo.
Há exatamente três noites atrás, Edward, meu querido e amado marido me matou. Porque? Pelo simples fato de eu tê-lo pego com outra, dentro da nossa própria casa.
Sim. Eu me lembrava de tudo. A cada passo pela rua vazia, me lembrava exatamente de cada um dos meus últimos minutos de vida.
Observo um dos meu dedos do pé ficar pelo caminho. Minha carne estava apodrecendo lentamente e, ao chegar a esse ponto, não se pode esperar que tudo continue no lugar.
Mas o que realmente importa pra mim, é alcançar a casa no fim da rua. Mesmo estando morta, posso sentir o cheiro da carne assando no forno. Do vinho na garrafa recém aberta, da música romântica tocando no rádio.
Eles estavam comemorando?
Mas, o que?
Minha morte, talvez?Aquilo me causa uma pinicação pelo corpo Tento usar um dos dedos para me coçar mas, tudo que consigo fazer é arrancar parte da pele do braço, bem perto do ombro.