Boa sorte

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-Em três, dois, um... - A minha voz saiu como um sussurro.

Diante do laptop, apertei o botão enter e observei o sistema iniciar o carregamento do arquivo. Ninguém veio ver. Na verdade, ninguém precisava ver uma musicista amadora lançando sua música. Em outras ocasiões, eu faria uma festa para amigos e famosos, ofereceria drinks e posaria para os paparazzis. Mas essa não era a realidade. Meu grupo de amigos tinha se reduzido à vovó e Kang Hyo-Won, mais conhecido como Pdogg, e, para completar, eu não conhecia nenhum famoso.

Aos 24 anos, tinha a plena certeza de que tinha feito a escolha certa quando pedi demissão em uma multinacional do ramo tecnológico e entrei de cabeça no mundo da música. É isso o que se faz quando, em vez de receber uma promoção, recebe-se apenas congratulações e um vale-frango frito.

Foi quando conheci Pdogg, um produtor famoso que viu em mim a oportunidade de brilhar na música e que logo me convenceu de trabalhar como sua assistente na Big Hit Music.
Ser assistente de produção não era o trabalho mais importante do mundo, mas para mim, era o que me motivava levantar todos os dias pela manhã. Eu estava o tempo todo fazendo o que eu gostava, na frente de um computador, escutando e ministrando as harmonias das músicas que seriam cantadas pelo grupo musical.
O grupo musical que me refiro é o BTS, mas não... Nunca os conheci pessoalmente, apesar de trabalhar no mesmo prédio com os membros. Eu trabalhava apenas bastidores musicais.

-Bom trabalho Jiyoung. - A voz conhecida soou atrás de mim.

Virei-me e fitei Pdogg entrando no estúdio e sentando em um sofá de couro. Apesar de ser mais velho, Pdogg conseguia ser um ótimo amigo e professor. Ele me apoiava, me incentivava a persistir na música e ainda me ensinava tudo o que eu deveria saber.

-Você ouviu?

-Sim.Todinha. - Ele concordou. - Você masterizou?

-Tokki fez isso por mim.

-Como você o convenceu?

-Ele me devia um favor depois de eu ter ressuscitado seu laptop. - Abri um sorriso amarelo.

Tokki era o apelido de Kwon, outro produtor da empresa, mas que trabalhava exclusivamente para outro grupo. Na indústria da música, ele era conhecido como Slow Rabbit.

-Vantagens de ter uma engenheira de software na firma.

-Ahjussi... - suspirei. - O que já falamos sobre isso?

-Vamos lá, Dan... Não me chame de ahjussi.

-Sunbaenim...

-Dan! - Ele disse furioso.

Foi inevitável não rir de sua cara. Pdogg, apesar de seus 30 e poucos anos, odiava ser chamado de velho. Para ele, honoríficos só funcionavam para confirmar as responsabilidades que vinham com a idade. Mas foi uma forma de revidar. Eu também odiava lembrar que algum dia segui a carreira da computação e logo abandonei.

Me formei cedo na faculdade de ciência da computação em Kyung Hee com muito sacrifício da minha família. Desde pequena sempre gostei de coisas relacionadas à tecnologia, mas foi apenas na adolescência que eu decidi seguir a carreira da computação. No entanto, eu não estava vendo o que estava na minha frente: a garota que mexia com computadores, mas sempre estava sendo amparada pela música no que quer que fizesse, seja tomando banho, formatando laptops, criando códigos e softwares, e, até mesmo, nos momentos mais difíceis. A música estava lá no dia do acidente. A música estava lá quando meus pais morreram.

No entanto, a música era um ramo que eu precisava manter em segredo. Morando com vovó, eu precisava ajudar nas despesas de casa e também precisava manter o resto de dignidade que eu carregava. Ela era meu porto seguro, eu a amava e ela também sentia o mesmo por mim, mas saber que um de seus netos tinha desistido de um ramo que só crescia nos últimos anos para começar do zero uma carreira diferente poderia trazer certos desconfortos. Eu preferia esconder de todos e seguir minha pacata vida.

-Bom, de qualquer forma, você deveria se orgulhar... é uma ótima música.

-Obrigada.

-Sua avó escutou? - Ele perguntou diretamente apesar de saber a resposta. Pdogg era o que mais me incentivava a contar a verdade para todos.

-Ela ainda não sabe. - Eu voltei minha atenção para o laptop.

-Quando vai contar?

-Quando mais tarde melhor. Acho que saber que sua amada neta abandonou a carreira para fazer música pode causar um ataque do coração nela.

-Uma hora você vai ter que contar.

-Até lá, vou apenas viver a vida.

Eu não tinha vergonha de dizer que vivia da música. Muito pelo contrário. A música era motivo de orgulho para mim. Se pudesse, falaria o tempo inteiro sobre cadências, harmonias..., mas a falta de amigos para conversar e a existência de uma família conservadora, que privilegiava os médicos, engenheiros ou advogados, prejudicava minha relação com o ramo. Então eu ficava na minha e isso precisava bastar. 

-Okay... mudando de assunto. - Ele suspirou. - A reunião com os diretores acabou agora e eles já anunciaram o tema do novo álbum.

Foi inevitável não ficar animada com a notícia. Mas trabalho vinha pela frente e isso significava que mais música seria produzida.

-Uuhhh, e então?

-Love Yourself.

-Uau. Parece ser bem profundo e impactante.

-A ideia é mostrar a essência de todos os membros junto com uma mensagem.

-Uhum.

-Vai ser um longo trabalho pela frente. Serão 3 coletâneas de álbuns, então vamos precisar criar muitas músicas...

-Imagino.

Houve um breve silêncio até ele falar.

-Então eu decidi trazer você para dentro do processo.

-O QUÊ? - Berrei.

Pdogg, que estava sentado tranquilamente no sofá de seu estúdio, pulou com o susto.

-Uou, você me assustou, franjinha.

-Como assim você me colocou no processo? Eu nem sei... ahn... Eu nem sou profissional.

-É claro que é. Não contratei você à toa.- Pdogg disse se levantando. - Temos uma reunião em meia hora. Se prepare e nos encontre no Genius Lab.

-Genius... o quê?

-Esteja pronta às 15h. - Ele disse saindo do estúdio. Antes que eu pudesse falar algo ele já tinha sumido.

O nervosismo que percorreu por meu corpo foi alucinante. Olhei para meu relógio de pulso e verifiquei o horário: 14h45. Rapidamente peguei minhas coisas, mas logo senti um ronco baixo em minha barriga. Eu estava desde cedo trabalhando e não tinha comido nada. Senti que eu precisava de um café. Corri sentindo minhas pantufas farfalharem com o piso de madeira do corredor.

InterludeOnde histórias criam vida. Descubra agora