DE VOLTA À JERICHO

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Eu sei que sou o melhor erro que você já cometeu.
Você fica linda pra caralho quando diz o meu nome.
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  Jericho parecia tão desinteressante quanto eu me lembrava. O céu nublado e as brisas congelantes que chegavam junto do outono tornava aquele dia agradável aos meus olhos.

   Fazem dois anos desde a nossa formatura e esse lugar não havia mudado tanta coisa assim. A estátua de Joseph Crackstone permanecia igualmente derretida para mim. Uma sombra de um sorriso ameaça se formar em meus lábios quando me recordo que fui eu — com uma pequena ajuda da Mãozinha — quem fez isso. Nada me dava mais prazer do que insultar a honra de um colonizador racista.

   Por falar no diabo, sinto dedos remendados cutucarem o meu ombro. Olho para ela de escanteio e pergunto:

  — O que foi? — ela "dá de ombros" e volta a prestar atenção ao redor. Mãozinha parecia mais animado agora que chegamos à Jericho.

   Caminhamos juntos pelas ruas quase desertas da cidade pacata, sem nenhuma pressa de chegar naquele lugar. Tínhamos bastante tempo até o anoitecer, onde a Rave'N aconteceria. Enid me fez quebrar o celular na parede de tantas mensagens que deixou implorando para irmos como graduadas a festa. Alguns dos antigos estudantes receberam o convite da nova diretora — cujo rosto não vi nem mesmo nas minhas visões — como forma de incentivar o amor pela Nunca Mais nos novos alunos.

   Eu não teria vindo, mas até uma noite de baile da Nunca Mais era mais interessante que ver meus pais renovando seus votos de casamento. Meu único alívio é saber que o Feioso está recebendo suas sessões de tortura diárias vendo aqueles dois. Era um filme de terror pior que Legalmente Loira. Quase sinto um calafrio ao lembrar das demonstrações exageradas de amor.

    Paro de repente, no meio do caminho, vendo a placa de "fechado" na cafeteria onde tudo começou. Era feriado, afinal. E mesmo que não fosse, não é como se eu esperasse vê-lo limpando mesas ou servindo xícaras de café por aí.

  Ele se foi. E talvez nunca tenha estado realmente aqui.

  Checo os arredores, encontrando apenas alguns poucos carros passando na rua. Um arrepio eletrizante percorreu todo o meu corpo quando toco a maçaneta.

   —  Quero ser mais que um amigo!

   Aquela frase era uma maldição perpétua com a qual eu sonhava todas as noites. Meus doces e rotineiros pesadelos deram espaço a essa pavorosa lembrança feliz. Nos últimos quatro anos, tentei de tudo para tirar essa cena da minha cabeça. Desde eletrochoque ao coma induzido, nada parecia funcionar.

   Goody me deixou um dom poderoso como herança. Mas ele se tornava irritante quando não podia escolher o que eu via.

   Novamente, os lábios de Tyler pairaram sobre os meus. Sinto sua respiração quente fazer cócegas no meus rosto no exato momento em que seu pai — o xerife Galpin de Jericho — invade a cripta. O olhar assustado de ver o único filho naquele estado comigo fez uma veia saltar em sua testa. A arma apontada para nós vacilou quando nos mandou sair dali, interrompendo um dos poucos momentos que senti a mais pura apreensão.

    Vidro se estilhaça no chão e me viro a tempo de ver costas largas e musculosas se afastarem do espelho quebrado. Mesmo no breu daquele cômodo, foi impossível não reconhecer os cachos dourados caídos sobre seu ombro, cintilando sobre a fraca luz presa ao teto.

   Estava muito mais alto do que há dois anos, mais forte, e coberto de novas cicatrizes — que não tinha interesse em saber como conquistou-as. Seu tronco subia e descia violentamente a cada lufada de ar que ele puxava. A sola dos pés estava coberta de sangue, pois estava em cima do estilhaços do antigo espelho.

One Night - Wandinha X TylerOnde histórias criam vida. Descubra agora