Vestígios, a dependência || Jikook

vestígios de alguém que você era.

Você sabe que venceu na vida quando em sua conta bancária tem milhões, quando o seu carro é o melhor lançamento do ano, você sabe que vendeu em tudo quando ao seu lado tem a melhor pessoa do mundo, o seu grande amor, a pessoa que lutou contigo para tudo que possuem atualmente.

E você também sabe que perdeu tudo quando continua sendo o melhor nos negócios, o que tem a melhor casa do condomínio, mas vê diariamente as drogas destruindo seu casamento, destruindo aquele sorriso tão lindo, tão largo; você sabe que é um derrotado quando pega o seu carrão do ano para ir atrás do seu marido dependente que está por aí em qualquer lugar da cidade.

Sua derrota só está completa quando deixa de ser alguém importante para sua família, quando na hora que mais precisa vê todos que estavam ao seu lado virando as costas e dizendo que não vão se intrometer em problemas do casal. Desde quando a dependência química é um problema exclusivo de um casal? Mas quando são apenas briguinhas bobas todos tem um palpite para dar.

Uma fortuna, vários amigos, família feliz,  o grande amor da sua vida e nada. De repente, tudo em nossa vida se tornou um grande nada.

— Levanta daí, entra no carro e não fala nada! Não fala nada, eu juro que não vou mais suportar isso!

E mais uma vez, eu digo a mesma frase, mas sei que na semana que vem ou até mesmo amanhã estarei aqui novamente pegando nesse mesmo braço o arrastando para dentro desse mesmo carro levando novamente para a nossa casa. Já era tudo muito repetitivo, rotineiro, praticamente todos os dias a mesma coisa.

Não adianta brigar, pedir, chorar, implorar, não adianta mais nada fazer qualquer esforço, eu não queria estar perdendo as esperanças, eu não queria deixar o "nós" se transformar em uma linda memória do passado, mas, estou cansado, muito cansado.

Eu não consigo mais me lembrar quando tudo isso começou, mas lembro bem que tudo poderia ter sido evitado se ele tivesse ouvido meus conselhos…

Amigos de copo não são amigos para a vida, mas ele nunca me ouviu, preferiu ser bom para os da rua e ser ruim para quem mais o ama. Agora, nenhum deles está mais aqui, só restou aquela pessoa chata que só sabia reclamar de tudo.

E adivinha? Ele está terrivelmente cansado de toda essa situação.

Conheci meu marido anos atrás quando estava começando meu primeiro ano na faculdade de arquitetura, meu alfa fazia engenharia e graças as aulas práticas tivemos nossa primeira interação. Não posso falar que foi amor à primeira vista, naquela época éramos jovens e só queríamos curtir um ao outro sem compromisso sério. Após algumas ficadas, decidimos não ficar com mais ninguém, mas não era um namoro, apenas nos respeitamos já que algo estava nascendo ali e não queríamos estragar o curso natural das coisas.

Um ano depois começamos oficialmente um namoro sério, meus pais foram totalmente a favor da relação, eles amaram conhecer meu namorado, realmente era difícil não se encantar com a educação do alfa, ele era uma pessoa tão amável… bom, eu não tive tanta sorte assim, meus sogros me odiaram por eu ser da famosa faixa de pobre da classe média, já eles, eles eram ricos da alta sociedade.

Não foi um grande problema ou impedimento para continuarmos nosso namoro, meu alfa deixou bem claro que iria se casar comigo com ou sem a aprovação deles e olhe que nunca havíamos falado sobre casamento, confesso que fiquei duzentas vezes mais apaixonado quando o vi enfrentar toda a família por mim.

— Você é maluco — entramos no quarto dele.

— Eu não vou abrir mão da minha felicidade para satisfazer ninguém.

— Que fofo, mas e aquela história de casamento?

— É sério, eu vou te fazer o ômega mais feliz do mundo!

Aquela promessa foi realizada, mas por um curto prazo, bastou o primeiro obstáculo aparecer que tudo se transformou em um grande pesadelo.

Quando precisei dele ao meu lado ele não estava, poderíamos ter sido fortes juntos, ele tentou ser sozinho e não conseguiu, estou tentando sozinho e não estou conseguindo. Eu só precisava dele, tê-lo ao meu lado como tive anos atrás.

Chegando em casa, ajudei ele a subir até o nosso quarto, eu já tinha o jeito daquilo, bastava o colocar do lado da parede pois ele conseguiria se segurar caso perdesse o equilíbrio, bom, se ele não estivesse tão drogado, já aconteceu dele cair várias vezes e uma delas até me levou junto resultando em uma cicatriz pequena em minha bochecha.

— Estamos quase lá, só mais um degrau— Era horrível vê-lo trocar os pés totalmente atordoado sem perceber seu próprio redor, naquele estado ele estava totalmente atordoado— Calma, calma eu to aqui… eu tô aqui com você.

Minhas bochechas estavam molhadas, eu já não percebo quando começo a chorar.

— Eu não vou mais — a voz embargada dele só piorava minha dor, ele não conseguia falar nada com clareza, parecia alguém extremamente bêbada de álcool — Eu não…

— Você sempre fala isso, mas veja onde estamos de novo… por que faz isso comigo? Por favor amor, não fuja mais, eu fiquei desesperado — abraço ele sem me importar com o odor forte de drogas, suor e até urina — Para de nos matar, para por favor…

Ele estava anestesiado, dificilmente compreendendo o que estou falando. Ao recuperar um pouco do meu fôlego, o ajudei a ir até o banheiro e foi na banheira mesmo que ele dormiu enquanto eu o banhava.

— Estou exausto — acariciei o rosto dele, a pele já não era mais sedosa como um tempo atrás — Por favor lute, eu não consigo mais sozinho…

Sei que a família dele nunca gostou de mim, até hoje me julgam por qualquer mínimo motivo, mas nenhum deles veio aqui pelo menos uma vez mostrar a menor consideração, sei que muitos podem me chamar de idiota por viver essa vida miserável de esposo de um dependente, mas anos atrás eu prometi diante  de Deus e vários convidados que seria na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, amando-o, respeitando-o e sendo-o fiel em todos os dias de minha vida, até que a morte nos separe. E assim será

Estou me condenando por mais uma vez pensar em desistir, mas eu não vou, irei lutar por nós enquanto ele não conseguir lutar por si mesmo.

Deixei a banheira seca, arrumei um travesseiro na cabeça dele o cobri devidamente com um cobertor grosso e sentado no chão a beira eu segurei a mão dele, dali eu só sairia quando mais um dia amanhecesse.