Quando o sol se põe e a lua aparece

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Não me entenda mal. Sonhar que sou uma criatura monstruosa devorando cervos selvagens é uma excelente experiência, mas a repetição nas noites seguintes acompanhada pela curiosa sensação de estar me aproximando de casa me fez querer procurar uma segunda opinião e infelizmente eu já conhecia alguém com histórico de pesadelos assim.

—Xavier.

—Wednesday. Para me ligar depois de duas semanas de completa indiferença, deve estar precisando da minha ajuda. O que é dessa vez? Mais um assassino em série que só você enxerga as pistas?

—Pensei que teria de fazer aquelas tolas formalidades de perguntar como você está. Aprecio me deixar ir direto ao assunto — do outro lado da tela pude vê-lo revirar os olhos — E sim, ou talvez não. A respeito do assassino. Na verdade, estou tendo repetidamente sonhos com o mesmo assunto e isso me lembrou suas visões. Pode me falar como sabia que eram ?Digo, como sabia que não eram apenas sonhos....

—Pesadelos.

—Que seja. Como sabia que não apenas fruto da sua imaginação?

—Tenho a impressão que nosso conceito de imaginação é bastante distinto para questionar se eu poderia imaginar uma criatura como Hyde sozinho. Mas distinguir sonhos de visões assim é um dos primeiros treinamentos que videntes fazem. Pensei que sua mãe também fosse vidente.

—Nós não temos exatamente esse tipo de diálogo. Soa saudável demais para eu falar com minha mãe.

O castanho sorriu pela tela do celular. Mesmo sem falar nada, eu sabia que ele entendia o que é ter uma relação complicada com os pais. É engraçado como passei a ter essas percepções das intenções de alunos como Enid e Xavier, imagino que seja um efeito colateral de ter laços de amizade.

—No meu caso, você sabe como lidei com as visões. Desenhar elas me dava um pouco de paz antes que viesse a próxima. A maioria dos videntes usam desenhos, mas acho que sua forma de expressão artística seja um pouco diferente — eu pude jurar que o garoto de olhos de peixe estava meio corado enquanto falava —Talvez você tenha que tocar, Wednesday. Sua música me pareceu uma bela válvula de escape.

Xavier falava da visão que teve de mim tocando meses atrás. Aquele desenho ainda me causava arrepios, não do jeito bom, como se torcesse minha espinha, mas diferente. Me deixava encabulada.

—Obrigada, vou testar sua teoria.

—Ei! Espera! Quando vou poder te...

Desliguei a ligação antes de ouvir sua resposta. É complicado lidar com o jovem Xavier. Ele se mostrou um aliado confiável depois de tudo que passamos juntos, mas há intenções e prerrogativas implícitas no presente que me deu que me deixam decepcionadas com sua carência. Consigo entender que ele gosta de mim, apesar de não saber os motivos. Acredito ter deixado claro não ter esse mesmo sentimento quando o denunciei sem pensar duas vezes à polícia... Mas outro problema entra na questão. Fiz a mesma denúncia a respeito do Tyler mesmo tendo certeza que gostava dele.

Wednesday?

Era minha consciência mais uma vez.

Essa foi a primeira vez em muito tempo que confirmei gostar de Tyler. De um jeito romântico. De um jeito vulnerável.

Ai está a pior parte dos eventos do último verão: Eu não fui enganada apenas por provas que me apontaram um caminho errado... Tão pouco fui cegada por um desejo carnal que era natural para algumas pessoas sentir um pelo outro, como eu já não aguentava mais ver entre meus pais. Não. Meu erro foi gostar dele correspondendo ao que ele parecia sentir por mim.

Wicked game - WeylerOnde histórias criam vida. Descubra agora