Escrever era o ofício de Camélia dos Anjos que passava noite em claro para poder escrever apenas uma linha. Quem disse que surgia sempre a inspiração? Era uma labuta diária para conseguir elaborar uma história digna de ser lida.
Em sua visão ampla sobre o mundo Caméllia dos Anjos acreditava que não era capaz de viver da literatura, pois vivia na periferia de Taboão da Serra do qual tinha pouco recursos até para as necessidades mais básicas, como por exemplo: comer. A sua literatura tinha a força dos oprimidos que a todo instante insistem em sobreviver em meio ao capitalismo selvagem.
A sua luta diária consistia em acordar todo dia cedo para sustentar seu filho de 4 anos de idade. Ela já estava ficando velha com seus 38 anos bem vividos. Embora gostasse de escrever, não tinha terminado o ensino fundamental, mas amava ler a bíblia, pois lá encontrava forças para resistir em meio as intempéries da vida.
Como amava escrever cada palavra na folha em branco, era um divertimento que valia a pena. Encontrava na escrita aquilo que não achava na vida: a segurança. No entanto, Camélia dos Anjos agradecia abundantemente os livros que encontrava no lixo quando ia catar latinha para reciclagem nos bairros mais abastados. Era alegria pura e comedida. Encontravam vários livros dos quais ela lia para o filho e mostrava que ali é que estava o progresso de uma vida mais confortável. No lixo Camélia encontrava vários livros de Machado de Assis, de José de Alencar e outros autores estrangeiros que não sabia pronunciar, mas que um dia ia saber tudo o que havia ali naquelas páginas.
A literatura era uma forma de escape para a realidade que lhe cercava e isso a alegrava, pois buscava subterfúgios para não encarar aquilo que mais temia: a vida real. Em sua cabeça estava buscando fazer algo de novo para o seu filho Gabriel dos Anjos que completaria em 7 dias cinco anos de idade.
Nada lhe era difícil, tudo para si era fácil, Gabriel dos Anjos acreditava fielmente a mãe, pois era a única pessoa que tinha mais próximo. Camélia dos Anjos não deixava Gabriel brincar na rua com medo de que se misturasse com más influências.
Camélia dos Anjos amava a forma com que misturava palavras e formava uma frase, era divino escrever, pois surgiam várias portas abertas para adentrar em um outro universo. Escrever era um bálsamo para dias melhores.
Como tudo estava acontecendo da melhor forma possível não poderia ser verdade, pensou Camélia dos Anjos, que sempre estava acostumando com tudo dando errado em sua vida. Estava anoitecendo e começou a chover torrencialmente, logo a água ia subir e encharcar os móveis que conseguiu com tanto esforço. Camélia ficou triste e desesperada, pois não conseguia pensar em mais nada a não ser salvar os seus móveis.
Não tinha nada a fazer, então subiu em cima da cama com o Gabriel e esperou a chuva passar. Rezava ardentemente para Deus parar a chuva, pois ali era o seu lar e não queria vê-lo destruído tão fácil assim. Como era ruim ser pobre, pensara Camélia dos Anjos. Imaginou que um dia ia morar em um apartamento daqueles em que recolhia o seu ganha pão de cada dia, pois tinha certeza de que lá não acontecia enchentes como tinha na periferia.
Amanheceu com o tempo nublado e a chuva tinha cessado. Camélia dos Anjos que não tinha pregado o olho e só pensava como o mundo era injusto. Gabriel dos Anjos, tinha dormido um belo sono, pois a sua protetora estava ao seu lado: sua mãe.
Ousara em um dia escrever sua própria história, seu próprio livro e ser um sucesso de público, pois assim sairia da linha da miséria. Sonhava, sonhava e vivia assim: sonhando...
Era escritora e vivia em um palacete, sonhou um dia acordada, logo teria vários empregados ao seu dispor. Como era bom sonhar, ainda bem que era de graça, se fosse pagar para sonhar uma vida melhor, não existiria a esperança.
Camélia dos Anjos sempre ansiara por uma vida mais confortável e mais digna e lutava todo dia por isso e encontrava na escrita uma mola propulsora para adentrar espaços antes inimagináveis.
O seu passado foi tão conturbado que ainda existia resquícios daquela vida. Camélia dos Anjos tinha um pai alcoólatra e uma mãe viciada em drogas, Camélia sofria agressões constantemente tanto violência física quanto violência psicológica e isso a angustiava, pois não encontrava saída para aquele sofrimento que lhe afligia a alma e o corpo. Mas por fim encontrou o refúgio na escrita, pegava todos os papéis que encontrava e inventava histórias, inventava uma nova realidade.
Camélia não tinha muito tempo para coisas do coração, não tinha um namorado para aqueles momentos de carência. Tinha em si uma vontade de namorar, mas não encontrava um pretendente que valia a pena. A maioria dos homens com quem se relacionava eram apenas amigos que já estavam em um relacionamento, então Camélia dos Anjos sempre ficara sozinha. Mas tinha dentro de si que um dia ia arrumar um namorado que a tratasse da forma que merecia ser amada, pois Augusto da Conceição, seu ex-marido, não a tratou como merecia, pois logo surgiam brigas uma atrás da outra. Não era um relacionamento saudável tampouco feliz.
O sofrimento sempre esteve presente na vida de Camélia dos Anjos por mais que tentasse se desvencilhar ele estava à espreita em busca de Camélia. Não sabia quando iria viver uma vida estável e tranquila, mas acreditava tão fortemente em seu anjo da guarda que um dia o seu pedido se realizou.
Finalmente conseguira uma casa em um bairro vizinho, com dois andares e espaçosa. Tudo se realizou quando estava tendo uma reportagem para mostrar as mazelas que o povo da periferia enfrentava e o jornalista ficou encantado com a história de Camélia dos Anjos que resolveu ajudá-la, como um passe milagroso tudo tinha se resolvido da melhor forma possível. Camélia dos Anjos estava sendo abençoada por aquilo que sempre fora: corajosa, guerreira e uma mulher de fé.
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O poder da escrita
Short StoryEssa história conta a vida de Camélia dos Anjos, mulher pobre, que encontrou na escrita uma forma de alegrar a vida.