Sabrina

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Enfim cheguei ao hotel na Nossa Senhora de Copacabana. Enquanto entrava, notei a agitação. Homens com pinta de policiais e funcionários estavam lá, correndo de um lado ao outro, de cima a baixo, com uma ansiedade gritante no movimento dos corpos. Fiquei um tempo observando para tentar entender definitivamente a situação. O motivo era claro, lá dentro havia um corpo coberto por um lençol estampado.


No primeiro instante fiquei com náuseas, o aroma de perfume barato, os burburinhos daquelas pessoas e o sangue me fizeram lembrar das noites que passei com meus amigos na época de faculdade e das atitudes pestilentas e indignas de indulgência que tivemos. Mas isso tudo foi abstraído quando confirmei minhas suspeitas ao ver o corpo. Meu temor havia se tornado real, o mais importante membro da minha confraria, Bernardo, estava morto.


Antes que pudessem me notar, saí daquela pocilga. E, para o meu espanto, encontrei Sabrina do lado de fora. Serena, observando-me com seus olhos insaciáveis, pude enfim entender quem era a responsável pelo que havia ocorrido com Bernardo. Ela se aproximou, fitando-me com seus olhos castanhos, e cada passo dado por ela era uma luta comigo mesmo para não cair em prantos.


Fiquei frente a frente com ela. Com um sorriso amarelo, cumprimentei. A máquina não disse nada, ficou me escaneando com seus olhos florescentes e quando me tocou senti a gelidez do metal. Depois de alguns segundos de tensão e silêncio, Sabrina me beijou a bochecha e me convidou para caminhar. Relutei de início, mas logo cedi a traiçoeira mudança de atitude de Sabrina, que passou a agir de forma acalentadora e suave.


Rimos e recordamos até chegarmos à Barão de Ipanema. Nunca abaixei a guarda, porque notei que às vezes ela me observava com olhos de atriz. Senti-me mal pelo que eu e os rapazes fizemos com ela. Mesmo assim, não justifica os assassinatos. Alan era pediatra, casado, pai e foi estrangulado por ela em um motel no Catete. Já Bernardo era professor de biologia, popular pelas suas vídeo-aulas na internet, divorciado e, agora mais do que nunca, despreocupado. Obviamente eu não poderia provar que ela era a culpada pelos assassinatos, todavia, meu instinto dizia que sim, ou melhor, gritava que ela era a culpada.


Sabrina me contou sobre o seu emprego atual, também falou sobre sua vida amorosa e riu ao lembrar das situações embaraçosas em que ela mesma se enfiava. O tempo voou conforme tagarelávamos e ela permaneceu ali, olhando-me com olhos de ternura. Sem perceber, minhas suspeitas prévias diluíam mais e mais. Os ferimentos causados pela minha culpa começaram a incomodar, sangravam e coçavam. Talvez eu estivesse delirando, como poderia acusá-la de crimes tão terríveis como aqueles?


Pouco tempo depois ela me contou que havia saído do trabalho e por coincidência tinha me encontrado na rua naquela noite. Uma coincidência duvidosa, ainda que possível. Por fim, rendi-me. Entramos no carro e fomos para a casa dela, a mulher do olhar apaziguador. Era madrugada carioca, tudo que tínhamos no caminho era a luz laranja no asfalto e a gelidez úmida no ar. A rua dela estava vazia, o que me deu alívio, porque eu queria esconder a minha fluidez dos outros. Prontamente, subimos de elevador, atravessamos o corredor em silêncio e adentramos o apartamento.


O lugar, que era surpreendentemente agradável, de imediato contrastou com o atordoamento macabro que levei ao ver o corpo de Bernardo naquela mesma noite. Como pude esquecê-lo tão rápido? Sabrina se jogou no sofá, soltou seu cabelo cacheado e pediu que eu me aconchegasse. Aquela imagem me remeteu à uma melancolia singular. Vê-la estirada naquele sofá me lembrava de como eu e os demais fizemos brotar lágrimas daqueles olhos tontos e embriagados.


Lancei-me no abismo de arrependimento. Esses sentimentos foram acentuados após alguns copos de vinho ficarem vazios em minhas mãos. Nunca deveria ter humilhado, tirado aquelas fotos, nem tocado e nem rido daquela mulher amarrada que me olhava com olhos de pique. Antes que eu pudesse proferir desculpas, Sabrina entrelaçou minha mão nas dela e me guiou até o seu quarto.


Era o cume da madrugada, senti-me livre na cama dela, pois não precisava esconder meus gostos, entreguei-me e não consegui analisar seus olhos na escuridão, uma lástima para uma oftalmologista inveterada que sou. Palavras afáveis foram proferidas, promessas tolas foram inventadas e entrei em alegria desmedida. Quando já não tinha pensamentos na cabeça, senti uma lâmina lamber a minha garganta. Em êxtase, fiquei sossegada enquanto ouvia Sabrina cantar em tom de vingança a serenata que me levaria até o mundo dos mortos, a serenata de Plutão, rumo ao destino final.

Viagem da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora