"Não dê flores aos mortos, dê flores aos vivos, especialmente aqueles que possuem o coração partido" era o que minha mãe costumava me dizer na infância, talvez para que eu entendesse a importância de demonstrar os sentimentos para as pessoas enquanto elas enquanto ainda podem retribuir, seja afeto, carinho, amor em seus diversos níveis. Aprendemos, por experiência, a dar valor às coisas e às pessoas apenas quando as perdemos. Esquecemos, com frequência, que cada segundo pode ser o nosso último, ou do outro. Nós não sabemos quando será a hora, mas sabemos que ela virá e, estupidamente, agimos como se nunca fosse acontecer conosco.
Como se fôssemos imunes à morte.
Ou aos corações partidos.
Particularmente, eu mesmo achei que nunca teria meu coração partido e que "morrer de amor" era um grande exagero ou algo de pessoas que se tornaram dependentes demais de seus parceiros. E agora, sentado em um banco de cimento em um estilo que imitava madeira, em meio a chuva calma de final de tarde, eu me sinto um completo idiota por ter julgado essas pessoas. Pelo menos a chuva encobre as minhas lágrimas silenciosas e meu cabelo molhado esconde meu rosto, impedindo que eu veja o quanto as pessoas me olham com pena neste momento, tentando decifrar que tipo de desgraça ocorreu em minha vida para me trazer aqui.
A verdade é que sim, é possível morrer de amor e não é dependência emocional ou nada do tipo. Um coração quebrado dói muito e a dor é física, não só psicológica como muitos pensam. É uma dor que te atinge em todos os níveis como ser humano. Rasga sua alma, destroça seu coração e sangra seu corpo. Acaba com sua mente e com o seu lobo.
Te torna um morto-vivo, uma casca vazia, mesmo que temporariamente. Tem pessoas que conseguem sobreviver a isso. Eu não tenho essa sorte. Não quando eu estou tossindo pétalas para todos os lados e me sinto sendo rasgado de dentro para fora toda vez que o vejo com seu namorado.
Adoraria dizer que estou feliz por ele estar feliz. Estávamos destinados a dar errado desde o começo, eu imagino. Changbin é um alfa que tenta manter a pose de bad boy apesar de usar moletons cor-de-rosa e meias de ursinhos. Claro que a única coisa que ele usa em público, dessas duas peças que citei, são as meias. O Seo sempre usa uma jaqueta de couro preta, coturnos e jeans skinny escuras para combinar com seu undercut preto-azulado. Eu costumava irritá-lo o chamando de anão bombado, apenas por ser mais baixo que eu e incrivelmente forte e gostoso.
Não sei o que tinha na cabeça quando pensei que poderia ser uma boa sermos nós dois contra o mundo, o clichê de todo romance. Era óbvio que ele iria preferir um ômega, que apesar da língua afiada e o jeito atrevido, parecia extremamente fofo com seus moletons em tons pastéis e carinha de filhote. Changbin e Seungmin combinavam, de um jeito inesperado.
E bem, eu sou apenas o melhor amigo com um visual fofo demais para um alfa e branquelo demais para quem morou na Austrália, além da confusão de cachos na cabeça, totalmente fora do padrão de beleza da Coréia. Relacionamentos entre pessoas do mesmo subgênero não são bem vistos e Changbin tem um futuro brilhante para destruir isso com alguém como eu. Claro, eu fui prepotente demais em achar que tinha uma chance de construir meu caminho até o coração dele. Deixei minha guarda baixa demais e me deixei ser quebrado.
Sorri irônico, jogando a cabeça para trás, sentindo as gotas quentes das lágrimas se unirem com a chuva gelada. Senti vontade de rir de minha própria estupidez, tendo meu próprio lobo me condenando por minhas atitudes, ou pela falta delas. Vê-los juntos foi um soco no meu estômago e a facada veio em seguida, quando Changbin me disse que o que tivemos foi apenas um passatempo, uma maneira de fortalecer nossa amizade e extravasar o tesão.
Ainda podia sentir o toque quente de suas mãos em meu corpo, todas as vezes que eu fechava os olhos, como se estivessem me queimando, o que me levava a passar madrugadas em claro apenas para não reviver essas noites. Virei o rosto para o lado, tossindo as pétalas sujas de sangue. Ver Seungmin beijando Changbin e sentir seus cheiros misturados, além da marca aparente no pescoço do ômega, não foi tão terrível quanto a notícia que eu recebi depois.
O corpo humano é extremamente adaptável, sendo assim, quando um casal é do mesmo subgênero — desde que não sejam dois betas —, um deles assume uma função diferente da predestinada pelo subgênero. Quando dois ômegas ficam juntos, um deles acaba se tornando uma espécie de beta e quando dois alfas ficam juntos, um assume um papel de ômega, seu corpo muda, mas não se torna capaz de gestar. Como um ômega infértil.
Patético. Além de estar morrendo por um coração partido, meu corpo ainda começou a mudar sua conformação original para atender as necessidades de Changbin, porque ele não me ouvia quando eu lhe pedia para não me morder ou usar uma porcaria de uma camisinha.
Como eu diria isso aos meus pais? Aos nossos amigos? Como posso chegar até eles e dizer que estou morrendo? Como eu iria olhar nos olhos da minha sobrinha e diria que seu tio favorito não iria estar por perto por muito mais tempo?
Me levantei, colocando as mãos nos bolsos, caminhando sem rumo. Não podia culpar Changbin, claro que não. Ele não tem culpa de eu ter desenvolvido sentimentos além da amizade por ele, muito menos por eu nunca ter tido coragem de contar. Ele tinha a vida dele e mesmo que eu tivesse me declarado, ele não era obrigado a retribuir. Eu apenas me sentia patético, impotente, insuficiente até mesmo para continuar vivo já que cada vez que tossia, mais pétalas saiam ensopadas de sangue e o gosto ferroso se mantinha em minha boca por um bom tempo. O intervalo entre as tosses também estava diminuindo, indicando que eu estava mais próximo de meu destino trágico.
Me perguntava quanto tempo eu ainda tinha e o que eu faria com esse tempo. Talvez eu fosse visitar meus pais, depois de passar um tempo com meus amigos. Bem, é uma ideia melhor do que ficar em casa vegetando e se afundando em álcool, mesmo que me doa pensar em deixar meus entes queridos verem a situação em que me coloquei, definhando aos poucos.
Talvez eu devesse ir para algum lugar que eu desejasse conhecer e que conseguisse bancar a viagem. Eu deveria me despedir de Changbin? Somos melhores amigos apesar de tudo. O que eu devo fazer?
Sou retirado dos meus pensamentos pelo barulho de uma buzina alta, minhas pernas doíam pela caminhada longa e sem destino certo. Parei onde estava e olhei em direção ao som, notando que havia um gato no meio da faixa de pedestres e o carro vinha em uma velocidade alta demais, buzinando loucamente. Não sei ao certo quando me movi, apenas senti o impacto do asfalto contra meu corpo, meus braços segurando o pequeno felino que parecia refletir meu próprio olhar confuso, perdido e desolado.
A buzina continuava alta, ouvi o som de batida, aos poucos as pessoas se acumulavam ao redor. Fiquei ali, caído no chão, segurando o gatinho preto com as patinhas brancas, embora encardidas com terra. A ambulância não demorou para chegar e me levar para o hospital, assim como o motorista do carro que quase havia me atingido e acabou batendo no poste. O socorrista informou que o cara havia desmaiado enquanto dirigia e isso explicava a alta velocidade e a buzina constante. Não tive nenhum ferimento grave, apenas algumas escoriações e bem, o pulmão sendo tomado por flores devido ao coração partido.
Quando fui liberado, passei numa clínica veterinária, descobrindo que o felino estava perdendo a audição e a visão, entretanto não havia se ferido com o acidente. Lhe dei um banho ao chegar em casa e o alimentei, deitando em minha cama de casal com lençóis azul-royal com ele em meu peito, acariciando sua pelagem agora limpa. O tempo lá fora indicava que iria nevar nos próximos dias, talvez eu devesse sair para dar uma volta, quando a neve caísse, em minha forma lupina, enquanto a doença ainda me permite a transformação.
— Não se preocupe, eu vou amar você até a minha última respiração. — prometi baixinho para o felino, mesmo sabendo que também me referia inconscientemente ao Seo, vendo-o fechar os olhos com uma expressão aliviada. — Eu vou cuidar de você, pequeno.
Mamãe, a senhora deveria ter me dito que dar flores àqueles que tiveram seus corações partidos incluem os que foram rejeitados e os que nunca tiveram coragem de confessar seus sentimentos. Eu deveria ter entendido que a vida é muito curta e que deveríamos dar mais valor à vida enquanto o ar ainda entra em nossos corpos.
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Flowers for a broken heart
FanfictionBang Chan nunca acreditou que as pessoas pudessem, verdadeiramente, adoecer e morrer por amor, sempre julgando histórias assim como dependência emocional e coisas do tipo. Também não havia parado para refletir sobre a vida e a morte. Porém, suas opi...