O Aprendiz de Ladrão

28 4 0
                                    

O garoto seguiu o grupo de guardas com o olhar vazio. Sabia que seu pai estava no meio daquele amontoado, prestes a ser preso, mas não conseguia sentir nada. E porque sentiria? O homem nunca fizera nada realmente de bom, não que o garoto soubesse, e agora que estava sendo preso, não conseguia sentir nada mais que uma leve pena. Sentimento esse tão leve que, se ficasse muito tempo sem pensar nele, quase sumia.

Seu pai havia chegado do nada. Um dia,  havia simplesmente saído para, de acordo com ele próprio, alcançar grandes coisas e adquirir grandes quantias por seu talento - que talento era esse, o garoto não fazia ideia. Muitos anos depois, porém, o mesmo homem aparecia na soleira da casa que costumava morar, com cara de culpa e arrependimento. Ninguém acreditou de verdade nas explicações que ele deu, muito menos o filho mais velho, que já desconfiava do verdadeiro motivo do pai estar lá. E não demorou para que suas suspeitas fossem confirmadas.

- O que tem feito, garoto? Como conseguiu tudo isso? - o homem havia perguntado poucos dias após sua repentina chegada, olhando de forma cobiçosa as roupas do menino.

A família nunca fora agraciada na questão de dinheiro, e ver o menino usando blusas, calças e tênis de boa qualidade havia sido algo que o pai não poderia deixar de reparar. Como resposta, o filho apenas o encarou e perguntou:

- Sua tal fortuna está tão ruim assim?

O outro não respondeu, mas o silêncio foi o suficiente para o jovem. Era óbvio que ele sabia mais do que gostaria de mostrar.

Não há muito tempo, descobrira uma certa habilidade em si que nunca usufruiu antes: entender programas de computadores. Quando um velho dispositivo eletrônico de sua casa quebrou, percebeu que não sentia dificuldade alguma em compreender sua organização e modo de funcionamento, consertando-o com tranquilidade; desde então, começara a brincar com sites e configurações, estudando mais e mais o assunto que, logo notou, gostava. Depois, iniciou uma tentativa um pouco mais ousada: burlar sistemas de segurança.

Não tinha objetivos maliciosos no começo, indo por pura curiosidade e fome por mais conhecimento. Mas, após certos dias, entendeu que quebrar barreiras tecnológicas não era tão complicado quanto parecia, e logo identificou a vantagem que seria usar essa habilidade para outras coisas além de puro estudo. Começou aos poucos, entrando em contas digitais aleatórias e fazendo empréstimos de baixo valor para si mesmo, usando logins criados por ele. Passados alguns meses, porém, começou a ir um pouco mais fundo, fazendo esse processo com empréstimos de valores mais altos; com esse dinheiro sua mãe conseguia pagar as contas de casa com mais folga, seus irmãos ganhavam presentes melhores em datas comemorativas e ele comprava roupas e aparelhos tecnológicos mais modernos para si.

Mas deveria ter cometido algum erro. Era provável que, em algum momento, atingira uma pessoa próxima ao pai, já que o garoto não conseguia imaginar outro jeito do homem conseguir descobrir seu “trabalho” recente. Sempre usava contas diferentes para cada empréstimo, porém deveria ter usado uma com algum nome pessoal - e antigo - demais, fazendo ser possível que o pai o reconhecesse, mesmo com anos sem se ver. Seja como for, o homem teve ciência das ações do filho, e resolveu investigar por conta própria, se era real ou só suspeitas. 

Não deve ter demorado muito para perceber que estava certo, já que semanas após sua chegada começou a ficar mais insistente com o garoto, fazendo muitas perguntas interesseiras. O filho estava planejando apenas ignorar essas ações, deixando o velho apenas com sua frieza calculada e seus prolongados silêncios. A ignorância, aprendera recentemente, era uma aliada valiosa quando se aprendia a fazer uso dela. Mas seus planos mudaram quando parou para notar o resto da família, em como eles estavam lidando com a chegada do pai.

Seus irmãos claramente não se sentiam confortáveis ao lado do homem, e sua mãe sempre desviava dos toques que ele tentava dar, como um animal acuado. Sem falar nos tantos presentes que o menino recebia dele, uma forma óbvia de tentativa de reaproximação com motivos muito específicos. Esses fatores fizeram o filho entender que não podiam viver ao lado de um homem que não se importava realmente com nenhum deles, que fingisse fazer parte daquela relação como um igual. Precisava - de forma quase urgente - tirá-lo de lá. Não deveriam nem tê-lo deixado entrar no dia em que chegara, para começo de conversa, mas sua mãe não tivera coragem de simplesmente bater a porta de casa na sua cara, chegando, portanto, no lugar em que estavam no momento. 

O Aprendiz de LadrãoOnde histórias criam vida. Descubra agora