O Cão Sem Plumas (João Cabral de Melo Neto)

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A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro; uma fruta por uma espada.

O rio ora lembrava a língua mansa de um cão ora o ventre triste de um cão, ora o outro rio de aquoso pano sujo dos olhos de um cão.

Aquele rio era como um cão sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água.

Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem.

Sabia da lama como de uma mucosa. Devia saber dos povos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras.

Aquele rio jamais se abre aos peixes, ao brilho, à inquietação de faca que há nos peixes. Jamais se abre em peixes.

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