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 O céu estava carregado, com nuvens pesadas e uma estranha coloração vermelha rubi. O vento balançava árvores, girava placas e atrapalhava os cabelos de quem se arriscava pelas ruas da Vila Esperança. Na casa de Adamastor e Beth, o idoso casal aguardava a chegada de alguns de seus amigos para o início da tradicional partida de buraco de toda sexta-feira. A campainha da residência tocou, revelando a figura do velho ranzinza e amigo de infância de Adamastor, Juca Bandeira.

─ Sinceramente! Com um tempo destes e vocês ainda insistem em manter essa jogatina da qual já sabemos o resultado?! ─ Disse o homem de cabelos grisalhos e roupas escuras, que entrava pela porta principal, aberta pelo anfitrião da casa.

─ Boa noite para você também, Juca. Sei que irei me arrepender disso, mas qual é o resultado da nossa jogatina? ─ Perguntou Adamastor, revirando os olhos.

Juca esboçou um sorriso irônico, e em tom de deboche respondeu:

─ Oras! A minha vitória, como sempre! ─ E após tirar o casaco, continuou para o amigo que fechava a porta ─ Já chegaram todos? Sabe como não suporto atrasos, até por que, pontualidade em alguns países é sinal de respeito.

─ Otelo está na outra sala, degustando um VHS antigo do Mágico de OZ, com Judy Garland. Deixaram hoje no sebo dele.

─ Ah! Otelo e seus amores impossíveis! ─ Juca debochou do gosto do amigo de se apaixonar por personagens de filmes e livros.

─ Na cabeça dele, são muito possíveis. ─ Observou Adamastor.

─ Claro, claro... como você quiser. Filó? Já chegou?

─ Na cozinha, com a Beth.

─ Maravilhoso! Meu bando de patos todo reunido. Manoel?

─ Está chegando! O neto está na casa dele, junto com uma amiguinha. Manoel perguntou se eles poderiam vir com ele e...

─ E você disse que não, certo? ─ Juca interrompeu antes que o amigo concluísse a fala ─ Não sou babá de ninguém e não vou ficar esperando o Manoel trocar fraldas para fazer as jogadas.

─ O neto dele tem 14 anos, não usa fraldas. ─ Observou Adamastor.

─ Pior ainda! Adolescentes, aliás, pré-adolescentes! São uma praga, acham que sabem tudo mas pergunte o que eles querem comer? Não sabem! E isso é só a ponta do iceberg! Quando você aprofunda as perguntas, sobre futuro profissional, agora querem ser influenciadores digitais. ─ E segurando um smartphone imaginário, começou em tom irônico ─ Olha pessoas! Os meus recebidos de hoje! Um boleto da companhia elétrica! Gente!!! Que código de barras lindo! Parece uma zebra... ─ E mudando drasticamente a voz, criticou ─ Faça-me o favor? Sabe o nome disso? Escambo, aliás, escambo publicitário!

─ Isso se chama modernidade, Juca! ─ Disse Adamastor balançando a cabeça.

─ Isso se chama fim dos tempos! ─ Replicou Juca!

─ Isso se chama velho chato! ─ Interrompeu a figura de Filó, a senhora de cabelos vermelhos e amor platônico de Juca ─ Olha, eu já vi gente com o sol em escorpião, mas com você o escorpião se joga no sol, de tão irritante que você é.

─ Nos tempos atuais, seria a melhor escolha do escorpião! ─ Disse Juca, sem tirar os olhos da velha senhora.

A campainha então tocou, quebrando o clima que se formara no encontro daquelas duas figuras. A porta aberta por Adamastor revelou a figura de Manoel, acompanhado por um casal de jovens, o seu neto Beto e uma menina de cabelos em um tom roxo.

─ Meu Deus! ─ Disse Filó com os olhos arregalados.

─ Ah! Você também notou. ─ Disse Juca ao lado da mulher ─ Parece que alguém acabou com o estoque papel crepom da cidade.

Purple Sparrow | ᴊᴊᴋ + ᴘᴊᴍ // ᴏꜱ ᴘᴀʀᴅᴀɪꜱOnde histórias criam vida. Descubra agora