A CIRANDA DOS OSSOS

7 0 0
                                    


Era sexta feira de noite e o velho Chico Matoso ia voltando para casa. A estrada estava escura. No céu só a lua iluminava o caminho. Mas era um luar manhoso que só iluminava um pouquinho. Não tinha nenhuma estrela. Uma sexta-feira estranha. A mulher do Chico, a Sinha Babinha, bem falou que ele não devia ficar andando pela estrada em noite de sexta. Principalmente quando não tivesse estrela. Nessas noites as visagens vêm da escuridão para assustar os homens.

O velho Chico foi visitar o seu compadre Bento. A prosa estava boa, ele foi ficando e nem viu a hora passar. Já era noite quando saiu da casa do seu compadre.

Para encurtar o caminho, o Chico Matoso resolveu entrar por uma picada. Já ia entrando na mata, quando lembrou as palavras de sua mulher sobre a sexta-feira. Seu coração bateu depressa como se desse um aviso. Ele sentiu um calafrio, mas não era homem de recuar. E afinal de contas, ia ter medo de quê? O velho rezou baixinho e tocou o burro pela picada adentro.

De repente o animal empacou. O Chico tocou as esporas com vontade, mas não tinha nada que fizesse o burro andar. O bicho estava gelado e paralisado. O homem olhou para o lado e viu uma sepultura. Sem perceber falou alto:

- Quem é que pode tá enterrado aqui, meu Deus, nesse lugar perdido na mata? Quem teria feito uma maldade dessa de enterrar alguém aqui?

O coração do velho Matoso foi ficando pequeno. Ele rezou baixinho e tentou seguir caminho. Mas o teimoso do burro nem se mexia. O Chico já estava decidido a largar o burro ali mesmo e sair correndo para casa, mas não teve tempo. O que ele viu, talvez ninguém acredite! A luz da lua batia agora com força na sepultura. O luar deixou de manha e estava iluminando tudo.

O velho Matoso tentou esporear mais uma vez o burro, quando ouviu um estalo forte e viu saírem da terra um monte de coisinhas brancas. Eram ossinhos que pulavam, batiam uns nos outros, e rodopiavam como se estivessem dançando ao som de uma viola. Depois, de todos os lados, vieram outros ossos maiores, rodando e dançando da mesma maneira. De repente, o Chico ouviu um estalo maior e, de dentro da sepultura, saiu uma caveira branca como algodão, e com os olhos faiscando. Parecia que saia fogo dos olhos. A cabeça dava pulos como um saci. Os ossos começaram a dançar em volta da caveira, que parou de pular e ficou quieta no meio, dando de vez em quando grandes pulos no ar, e caindo no mesmo lugar, enquanto os ossos giravam em sua volta, batendo uns nos outros, como se dançassem uma ciranda maldita.

O velho Chico Matoso bem que queria fugir, mas não podia. Seu corpo estava como estátua, seus olhos estavam pregados naquela ciranda de ossos e os cabelos estavam em pé. Foi então que os ossinhos mais miúdos, dançando sempre, foram se juntando e formando dois pés de defunto. Esses pés não ficaram quietos e começaram a sapatear com os outros ossos numa roda viva. Os ossos das canelas, de um pulo, encaixaram em cima dos pés. Depois os ossos das coxas se encaixaram com os joelhos e, sempre dançando, se encaixaram com o resto formando duas pernas. E o quebra-cabeça continuou: os ossos dos quadris, as costelas, os braços, todos ossos que ainda faltavam foram pouco a pouco se juntando, até que o esqueleto se formou. Faltava só a cabeça.

O Chico Matoso viu então a coisa mais pavorosa do mundo: o esqueleto sem cabeça pegou a caveira e começou a jogar pra lá e pra cá como se fosse uma bola. Depois jogou para o alto igual a uma peteca. Jogava cada vez mais alto. Nesse sobe e desce a caveira fazia um zumbido horripilante. Até que o monstro sem cabeça jogou a caveira muito alto que ela até sumiu nas nuvens. Depois abriu os braços como se esperasse. A caveira desceu rápido do céu fazendo aquele zumbido e caiu direito no meio dos ombros. Fez um estalo danado, a caveira deu uma gargalhada e olhou para o velho Chico com seus olhos de fogo.

O burro e o Matoso estavam paralisados. O velho até sentia o coração do animal batendo forte. Os dois queriam sumir dali. Queriam até se enterrar se fosse possível, mas o pior estava por vir: aquele esqueleto-monstro começou a dançar em volta do Chico. Dando gargalhadas e rodopiando num balé terrível. Até que num estalo, deu um pulo, girou no ar e encaixou-se direitinho na garupa do Chico Matoso. O pobre do velho não conseguia nem gritar. O esqueleto esporeou e o burro saiu em disparada. E foram os três correndo e saltando.

Certo momento o animal parecia voar por cima das árvores. O coitado do Chico não tinha coragem de abrir os olhos. Como não podia gritar, rezava por dentro para todos os santos que vivem no céu. O velho Matoso achava que aquele ia ser o seu fim. Sentia um calor muito grande como se estivesse numa nuvem de fogo. Até que desmaiou.

Quando acordou, já era dia e ele estava na sua cama. A Sia Balbina é que contou que de manhã bem cedo o encontrou no terreiro, estendido no chão e desacordado. O burro ao seu lado, ainda selado, pastava calmamente. A porteira estava trancada e nem o velho Chico, nem Sia Balbina entenderam como o animal conseguiu entrar. No fundo o Matoso sabia que eles tinham chegado ali voando. O pobre do homem acordou com muitas dores como se tivesse levado uma surra. A cabeça pesada e com aqueles estalos malditos no ouvido.  Demorou mais de um mês para aqueles barulhos terríveis saírem da sua cabeça.

O Chico mandou rezar duas missas e jurou que nunca mais saia de casa em noite de sexta-feira.

Bá e as visagensOnde histórias criam vida. Descubra agora